Atualmente,
vê-se um mundo "multipolarizado" em extremismos. Cada um quer o seu quinhão no
reino dos “céus”. Se, por um lado, têm-se católicas em busca da reafirmação da
sua fé, correndo atrás dos fieis perdidos devido a posturas radicais passadas,
deste modo, perfazendo-se a partir de discursos mais amenos; por outro, pode-se
ver uma corrente evangélica que de amena não tem nada, pauta-se justamente no
extremismo para arrebatar os fieis fervorosos, criam um verdadeiro exército da "fé".
Nota-se
que, ultimamente, um novo polo extremista toma de conta do cotidiano brasileiro
e, principalmente, dos holofotes da internet: os movimentos sociais. Combatem
tudo: novela, propagandas, discursos políticos, religiosos, tudo – simplesmente
– tudo. E isso poderia, facilmente, ser motivo das mais severas críticas. Mas, se
por um lado, temos duas grandes referências religiosas se digladiando para ter
o seu espaço, onde ficam aquelas pessoas que não são abraçadas pela sociedade? O radicalismo, portanto, dos movimentos sociais é o preço que se paga para poder (realmente) existir.
Nesse
contexto, vê-se, portanto, a representação LGBTI crucificada em plena Parada
Gay 2015. Diante da cena, foram-nos jogadas na cara algumas coisas: 1- peitos à
vista; 2- mulher crucificada; 3- transgeneridade. A imagem é chocante, claro.
Como não seria? Primeiro que a nudez representada de forma consciente choca
muito mais do que nudez feminina pelo bel prazer (reafirmando a coisificação do
corpo feminino). Segundo que o posto de representação da crucificação é do
homem, pois foi o homem que morreu por nós, não uma mulher, o homem que se
sacrifica pela sua coletividade, a mulher apenas pelo lar (representação do
machismo exacerbado). Por fim, para quebrar com todas as ponderações possíveis têm-se
exposta a transgeneridade, muitos se perguntavam atordoados “É um homem?” “É
uma mulher?” “O que é isso?”.
Era
uma mulher, nua, trans.
Era
uma mulher, nua, trans e que representou a dor de um coletivo.
Era
uma mulher, nua, trans e que representou a sua morte diária.
Era
uma mulher, nua, trans e que disse com o seu corpo, que o corpo é dela, e que
aqueles que a olhavam com olhos julgadores eram os pecadores que a crucificavam
todos os dias.
Era uma mulher, nua, trans e que chamou a sociedade de "assassina".
Mas
daí advieram algumas dúvidas. Voltando para o início dessa divagação que estou
tendo. A parcela católica firmou um discurso mais apaziguador, apesar de
condenar, apesar de ter na cruz um símbolo sagrado, tentou – em meio a um discurso
machista/homofóbico – mostrar que, apesar de não concordar, o amor prevalece. Por
outro lado, a parcela evangélica (em sua maioria), revoltou-se, apesar de
condenar o uso de imagens e representações, apesar de não ter na cruz um
símbolo sagrado, apesar disso, a manifestação de ódio foi um caso a ser
estudado, foi o que gerou toda a repercussão.
Pois
bem, as dúvidas:
1º
O que choca mais? O fato de ser mulher na cruz? O fato de ser uma trans? Ou a
nudez?
2º
O que mais dói atualmente no coração das pessoas: saber que todos os dias
pessoas trans são, literalmente, crucificadas? Ou a sua representação da
crucificação?
3º
O que ofendeu a fé do povo? O uso do objeto religioso? Ou a ousadia de uma
mulher trans de gritar (sem abrir a boca) toda a violência que sofre e dizer
que aqueles que se revoltam contra ela são os mesmos que estão contra si
praticando violência?
O grande problema disso tudo é que
aqueles que criticaram, antes de fazer, não pararam para refletir sobre algumas
coisas. Por exemplo, a cruz simboliza a dor, a crueldade, a penitência. A cruz
também simboliza a injustiça, o ódio profanado sem motivos, o martírio. E se a
cruz simboliza tudo isso serei ousada em dizer: essa foi a representação mais
fiel que já ocorreu. Pois não teve banalização, não teve insulto, não teve
mentira. O motivo foi justo, honesto e de coração. A trans exteriorizou a dor
de muitos, pois todos os dias, a comunidade LGBTI morre mais um pouco.
Fica, portanto, a torcida para que não haja mais esse tipo de representação: não pelo fato de não ter sido justo, não pelo fato de achar que ofendeu a fé de alguém. A torcida é latente, pois se houve o protesto, a representação, é porque o motivo é iminente. Que não haja mais motivo. Que a trans seja reconhecida como quer ser reconhecida, que o sujeito seja apenas o sujeito, o sujeito que deseja ser.
Por fim, com pesar digo, sempre
que olho para a imagem da trans pregada na cruz sinto vontade de chorar e
escuto um pedido de clemência. Mas, a culpada não é ela e quem deveria pedir
clemência são as pessoas que lhe colocaram pregada ali, despida. Ela, apenas, nos contou da sua dor.
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