terça-feira, 16 de junho de 2015

[Postagem do Dia] Performatividade e desbiologização como fundamento para a aplicação da Lei Maria da Penha para os sujeitos LGBTI

A Lei Maria da Penha mesmo que de forma tímida, traz no parágrafo único do artigo 5º, bem como no artigo 2º, que, para a mulher, as suas relações amorosas, bem como a proteção da sua dignidade, independem da orientação sexual, neste caso, foi reconhecida não apenas a condição da lésbica como mulher, mas também a possibilidade dessas mulheres constituírem família. Mesmo que o Estado ainda não seja efetivo no combate à violência homofóbica, não considerando, ainda, como crime a prática de preconceito contra os/as homossexuais, este foi um grande avanço aos direitos lésbicos. Em relação aos/as LGBTI a aplicação, mesmo que jurisprudencial (ainda), já mostra uma grande força quando se trata de transexuais, transgêneros e travestis, que se identificam como mulher. A Lei Maria da Penha, portanto, traz uma grande inovação, principalmente diante de um sistema normativo tão excludente às minorias sociais.

Há de se ressaltar ainda que, mesmo não expondo de forma tácita, o conceito de família ganha novos contornos com a Lei, o que antes era restrito às/aos parceiras/os de sexos opostos, agora reconhece, de forma efetiva, a validade da união de pessoas do mesmo sexo, fugindo do padrão tradicional de homem-mulher. Vale dizer que, o sistema jurídico brasileiro já considera parceiros/as do mesmo sexo como casal, contudo esse é um avanço conquistado por meio das lutas dos Movimentos LGBTI, aliado aos avanços do Poder Judiciário. Todavia, no campo legislativo, tanto a Carta Maior, como também alguns dispositivos infraconstitucionais, permanecem afogados no conservadorismo cristão. Acerca disso, assinala Maria Berenice Dias:

No momento em que as uniões de pessoas do mesmo sexo estão sob a tutela da lei que visa a combater a violência doméstica, isso significa, inquestionavelmente, que são reconhecidas como uma família, estando sob a égide do direito de família. Não mais podem ser reconhecidas como sociedades de fato, sob pena de se estar negando vigência à lei federal. Consequentemente, as demandas não devem continuar tramitando nas varas cíveis, impondo-se sua distribuição às varas de família. Diante da definição de entidade familiar, não mais se justifica que o amor entre iguais seja banido do âmbito da proteção jurídica, visto que suas desavenças são reconhecidas como violência doméstica. (DIAS, 2014).

Entretanto, apesar da mudança positiva para a comunidade LGBTI, esse avanço não visa proteger todos/as e o pior: está condicionado a uma ação jurisprudencial, visto que a Lei não abarca todas as possibilidades existentes da incidência da violência doméstica. Para tanto, o estudo em questão enfatiza as teorias da performatividade e desbiologização como fundamento para a ampla aplicação desta Lei para todos os indivíduos.

A teoria do gênero performático de Judith Butler anda lado a lado com a teoria da desbiologização da jurista Maria Berenice Dias. Na primeira, o sujeito será desconstruído, ou seja, não vai pertencer aos estereótipos construídos e consolidados culturalmente, neste caso, o sujeito é uma pessoa e nada mais que isso, no qual, estarão todos em par de igualdades no espaço público e no espaço privado. Já na segunda, apesar de não haver uma desconstrução do sujeito, os fatores que os limitam a um determinado grupo é irrelevante para determinar se estes/as podem ou não constituir família, logo, qualquer sujeito que tenha como base do relacionamento a afetividade estará constituindo uma entidade familiar. É por meio dessas duas prerrogativas que se defende a plena aplicação da Lei Maria da Penha a todos os indivíduos, independe de sexo, gênero, identidade de gênero ou orientação sexual, pois todos/as estão passíveis a sofrer violência doméstica quando estão em um relacionamento amoroso com outro sujeito. Pois, como tratado anteriormente, há incidência de relações de poder e hierarquização em qualquer relacionamento, seja ele amoroso ou não, e perpassam qualquer limitação conceitual de sujeito.


Deste modo, para a aplicação da Lei não seria levado em consideração a condição de “mulher” do sujeito, o seu gênero normatizado socialmente; mas sim como ponto determinante para o enquadramento da violência doméstica: a constituição familiar baseada no afeto. Importante dizer que, o que se busca aqui é a ampla aplicação da Lei a todos aqueles que de alguma forma sofrerem violência doméstica, independente do sexo, gênero, identidade de gênero ou orientação sexual. Uma vez que independe do seu estereótipo ou do seu enquadramento social: qualquer indivíduo está sujeito a sofrer violência doméstica. Logo, aqui, não se objetiva romper com todo o histórico de sofrimento e de luta pela qual a mulher passou, não é ignorar nem muito menos esquecer como emergiu a Lei Maria da Penha, diante da sociedade patriarcal e machista, em que chegar a essa conquista há um caminho marcado por uma trajetória árdua, de muito silêncio e impunidade. Expandir a aplicação desse dispositivo, não é negar a história da Maria da Penha, não é negar a sua agressão, o seu sofrimento e os longos anos em busca de justiça. É o contrário. O que se busca é sanar uma impunidade que emerge socialmente, e que a justiça – novamente – coloca a venda nos seus olhos, mas não para aplicar de forma justa sem ver a quem, mas sim para consolidar uma cegueira que é histórica, aquela que não enxerga, reiteradamente, as minorias sociais. O principal alvo da violência doméstica é a mulher, mas isso não exime as/os demais cidadãs/os de também sofrer. Como defende Butler (2003), os sujeitos são sujeitos. E como pessoas, independente de estereótipos, é que se deve enxergá-los.

*O artigo do dia foi retirado de um capítulo do meu trabalho monográfico (Aplicação da Lei Maria da Penha para os Sujeitos LGBTI: performatividade e entidade familiar).

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