Mostrando postagens com marcador #Literatura. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador #Literatura. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Pedro Gabriel, o Antônio.

“Antônio é personagem de um romance que ainda vai ser escrito. Frequentador assíduo dos bares, ele despeja seus comentários sobre a vida, suas alegrias e tristezas, em frases e desenhos rabiscados em guardanapos em grandes doses de irreverência e pitadas de poesia”.

"Antônio sou eu, com um pouquinho mais de coragem para dizer as coisas"

Pedro Gabriel em Mossoró nesta última sexta-feira (25/04)

Na última sexta-feira (25/04/2014), o escritor, poeta e publicitário Pedro Gabriel esteve na cidade de Mossoró-RN, para um bate-papo descontraído e uma sessão de autógrafos do seu livro “Eu me chamo Antônio”, o evento foi um grande sucesso, e desde já parabenizo Larissa Gabrielle Araújo, uma das organizadoras, que com maestria conduziu mais um sucesso na sua carreira, desta vez como gerente de Marketing no West Shopping Mossoró. Durante a conversa, Pedro iniciou explicando como surgiu a ideia do guardanapo:

“Essa ideia, na verdade, nasceu no final de 2012, em outubro mais precisamente, eu tava voltando do meu trabalho, na época que eu trabalhava ainda em uma agência de conteúdo online, eu sou formado em publicidade, eu lembro que era um dia muito chuvoso, e aí no Rio de Janeiro um trajeto que faço em duas horas, acabariam em cinco de ônibus e eu tava bem estressado, e aí quando eu cheguei, desci do ônibus e aí eu parei num bar e pedi um chopp e não tinha papel pra anotar, minha cabeça não para de pensar, de... de..., as vezes as ideias brotam do nada e sempre tenho um caderno para anotar e nesse dia não tinha esse caderno, único papel que tinha era uns guardanapos no bar, no balcão do bar, então eu desenhei ali as primeiras ideias, comecei a rabiscar e aí eu gostei do resultado e resolvi fotografar, e esse foi o primeiro guardanapo que eu criei”

Ele gostou tanto da ideia que acabou jogando na rede social “tumblr” as suas obras, que com pouco tempo já ganhou uma grande repercussão, logo depois fez a sua página no facebook e mais recentemente no instagram. E, atualmente, a partir da editora Intrinseca publicou o seu livro, e toda semana (nas terças) escreve em uma coluna no site.



Há pouco mais de um ano, o blog fez a sua primeira postagem a respeito do “eu me chamo antônio”, na época a página do facebook tinha apenas 75 mil curtidas, hoje ultrapassando a faixa de 700 mil. Nesta época, o Pedro Gabriel, seu criador, ainda era uma figura que permanecia longe dos holofotes, para ele o que importa nunca foi o seu rosto, não é de relevância alguma se ele é homem ou mulher, branco ou preto, magro ou gordo, o seu intuito desde sempre foi de mostrar a sua arte de forma verdadeira, sincera e deste modo poder tocar as pessoas, enquanto for assim ele permanecerá produzindo. E, assim sendo, conseguiu invadir e cativar todo o Brasil, independente de gênero, idade ou classe social. Antônio é o personagem de todas as tribos, pois ele fala por todos, diante das suas dores, amores e dissabores.



O autor tem influências literárias como Leminski e Manuel Bandeira, na música é apaixonado por Cartola, e deixa transparecer em suas obras todos esses alicerces artísticos. E sabe o quão difícil são esses e tantos outros artistas atingirem do mais jovem leitor ao de mais idade, estamos em uma época de constante mudança, de momentos, de dias turbulentos, o mercado acelerou a vida do homem contemporâneo, mas a arte de Pedro se encaixa perfeitamente nessa realidade, ele não apenas escreve lindas poesias, elas são acompanhadas de pinturas e sonoridade o que a deixa muito mais atrativa diante do cansaço diário e o pouco tempo para a leitura, ou até mesmo o desinteresse, não precisa ser amante da poesia para se apaixonar pelos guardanapos de Pedro Gabriel, eles nos encantam, provocando o amor à primeira lida.

Redes sociais do "Eu me chamo Antônio":

Reportagem especial do Jornal de Fato: Revista de Domingo

Primeira postagem do Acompanha Café? sobre: Eu me chamo Antônio

Para os que desejam ter acesso ao áudio do bate-papo é só baixar na minha página do 4shared: Link.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

[Postagem do Dia] Foucault e Sexualidade

Michel Foucault foi um filósofo francês do século XX que estudou e escreveu durante a sua vida, principalmente, a filosofia do conhecimento, desde a “história da loucura” até “história da sexualidade”, indo de frente e contrariando os entendimentos da psiquiatria e psicanálise vigente na época.

O primeiro livro da trilogia “história da sexualidade” foi a “a vontade de saber”; argumentando, em pleno ano de 1976, severas críticas à psicanálise, associando-a aos tradicionalismos do catolicismo e da sociedade de poder (momento de ascensão e firmamento da burguesia capitalista). Um tanto ousado e polêmico se contrapor a verdades tidas como absolutas, justamente em uma fase de tanta repressão sexual, momento em que se sobrepujava qualquer tipo de manifestação que contrariasse o binário e jogava tais práticas em casas de prostituição (perversão) ou hospitais psiquiátricos (loucura/doença). Nesta primeira obra, o filósofo levanta os seus primeiros questionamentos e métodos.

Em “o uso dos prazeres” o segundo volume da obra, apesar do título sugerir um noção mais ligada ao desejo, ao carnal, Foucault arrebata que o seu interesse ao estudar a sexualidade está fincado nas suas preocupações no campo histórico e, em seu último capítulo, trata do “amor”, primeiramente tecendo mais uma crítica ao ideário cristão-moderno, no qual o amor é associado à relação homem-mulher, bem como mostrando que a prática sexual está intimamente ligada ao domínio da prática moral e sendo condicionada por esta.

Finalizando sem realmente finalizar (devido aos problemas de saúde que resultou em seu falecimento no ano de 1984), o seu último estudo da trilogia foi o “cuidado de si”. Associando o título à política, pedagogia e o conhecimento pessoal, temos as bases dos seus últimos ensinamentos, nesta acepção, saindo das formulações teóricas e adentrando a prática, na qual o ser deveria se examinar, se colocar a prova, controlar-se ou não, definir-se a partir de modos de viver e agir. A última obra aparece, deste modo, ligado a uma espécie de (libert) ação, em modos de trocas, aprendizagens e obrigações recíprocas para com o outro.


Foucault requer não apenas uma leitura simples e superficial, necessário se faz analisar, estudar, buscar nas entrelinhas, críticas e conceitos o real discurso que por ele está sendo proferido e argumentado. 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Acompanha Café: Novos Contornos



O blog se iniciou a pouco mais de um ano, tratando exclusivamente de música, literatura, cinema (acerca dos mais diversos temas), bem como novidades da internet nessa linha. A partir de agora o “Acompanha Café?” está voltando com uma nova roupagem, ainda com o viés cultural, porém em associação à temática de gênero e sexualidade, como forma de amadurecimento dos estudos e afinidade da autora. Desde a publicação de textos de minha autoria, bem como de autoria de diversos outros, seja já autores consagrados na temática ou iniciantes no estudo. A dinâmica da página continuará a mesma: publicações constantes, recebimento de sugestões, críticas, sempre aberto ao debate. O objetivo desse novo rumo é de tornar o espaço (antes exclusivo ao entretenimento) um motivador do debate e do pensamento crítico acerca de um tema de tamanha relevância. Para tanto, começarei com Michel Foucault, a História da Sexualidade, em uma explanação mais superficial, mas que objetiva o aprofundamento pessoal. Abaixo, estão links dos três livros da coletânea "História da Sexualidade" para o download, em breve comentários acerca de cada um.


segunda-feira, 13 de maio de 2013

Considerações sobre a Tradução: O Tradutor Literário precisa ser um Escritor?


Por Caio Peroni
Eu nem sempre apresento respostas objetivas às perguntas que proponho. Se quer saber, leitor, é esse o grande barato da vida. Ir dormir com um grande ponto de interrogação na cabeça. Por esse motivo, talvez você chegue ao final do texto sem uma resposta minha; talvez você precise formular a sua.
É fato, contudo, que, por mais que eu não faça o bolo, eu pelo menos dou a receita. Então, mãos à obra!
Chegará o dia em que discutiremos todas as questões a respeito da autoria do tradutor sobre a tradução, mas, para hoje, basta mencionar algo que deveria ser óbvio: o tradutor escreve a tradução. Claro! Mas, por ser o nome do autor do chamado “original” que grita na capa – o mais comum, salvo alguns casos mais específicos, é que o nome do tradutor apareça na folha de rosto –, a maioria das pessoas se esquece de que entre a publicação do livro no exterior e a prateleira de uma livraria brasileira há um profissional chamado tradutor.
A questão é que, ao se debruçar sobre um livro oriundo de uma cultura para transpô-la à sua (ou a qualquer outra), o tradutor não funciona como uma máquina – existem os famigerados tradutores automáticos, que já agem como máquinas, e me arrisco a dizer que com certeza falaremos sobre eles no futuro. Há um processo criativo (eis a palavra-chave!) exercido pelo tradutor no momento da transposição. Existem processos para todos os gostos: conheço tradutores que leem o texto na língua de partida (material chamado “original”) mais de uma vez antes de a tradução começar; já outros vão traduzindo à medida que leem e, depois, releem para garantir que todas as pontas se amarrem.
Não só de processo criativo e releitura é feita a tradução literária. Há muita pesquisa envolvida, também. Quando traduzi “The Raven”, do mestre Edgar Allan Poe, a barreira linguística não foi a única que encontrei. Poe injetou uma boa dose de mitologia religiosa nos célebres versos, e eu precisei me familiarizar com todas as referências para traduzir da maneira mais adequada.
Quantas semelhanças entre a criação literária e a atividade tradutória! Isso tudo nos permite pensar que o tradutor literário precisa, necessariamente, ser um escritor para atuar como tradutor literário?
Como eu mencionei no início, talvez eu não apresente uma resposta muito objetiva. Isso não significa, contudo, que não possa dar um parecer que ao menos soe plausível. Aí vai: se o tradutor literário não éum escritor, ao menos precisa saber como é ser um escritor. Entender a rotina, os anseios, as mais diversas trajetórias, o trabalho com a imaginação, os processos criativos.
Em poucos anos que tenho de prática literária, aprendi que poucas pessoas fora do ramo entendem o trabalho de um escritor. Portanto, o tradutor literário não precisa, necessariamente, sustentar uma carreira como escritor, dar palestras sobre seus livros e publicar regularmente. Ele precisa, contudo, ser capaz de bancar o escritor, pelo menos enquanto traduz.
Afinal, eu sempre pensei que a tradução literária pudesse ser classificada como um gênero. Temos o conto, a novela, o romance e (por que não?) a tradução. Eu diria, portanto, que o tradutor literário já é um escritor, mesmo que jamais venha a publicar um livro em que seu nome grite na capa.


Fonte

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Crônicas, por Maitê Proença


Maitê Proença Gallo, filha de Margot Proença e Eduardo Gallo, nasceu em São Paulo em 1958. Durante a juventude, Maitê conheceu o mundo, em uma de suas viagens à Paris que teve o primeiro contato com as artes cênicas. Ao retomar ao Brasil, anos depois, por problemas familiares, ingressou no curso de teatro com Antunes Filho e começou a estudar roteiros para cima no Museu da Imagem e do Som. Foi quando recebeu o seu primeiro convite para se fazer presente na televisão, dessa vez, recebendo um convite do Jornalista Mário Prata, para um teste na TV Tupi. Sua estreia como atriz na televisão brasileira foi em 1979 com a novela Dinheiro Vivo, a partir daí Maitê foi um sucesso total. Atualmente, já carrega no seu currículo a participação em mais de quarenta novelas, mais de vinte filmes, mais de dez peças teatrais, sem contar a sua aventura que deu certo na literatura. Além de alguns romances já escritos, o que muito chama atenção é a sua coletânea de crônicas, em seu site, a escritora deposita os seus pensamentos sobre a vida, contando diversas histórias que mais parecem um diário, nos fazendo viajar no amor, na dor, na paixão, na idade que chega a perturbar. Maitê nasceu e vive para fazer história. Para ter acesso às suas crônicas, clique aqui.

Trecho de “Amor da Minha Vida”:

Meu amor tem de ter uns certos ciúmes, e reclamar quando eu precisar viajar pra longe. Pode se meter com minha roupa, com corte do cabelo, e achar que sou distraída e não sei dirigir. Quando ficar surpreso de eu ter chegado até aqui sem ele, afirmarei sem ironia, que foi mesmo por milagre. Este homem deve querer nosso lar impecável, com flores no jarro, e é imperativo que faça tromba quando não estiver assim. Ele irá me buscar no trabalho e levará direto pra casa, nada de madrugadas na rua! Desejo enfim que meu amor me reprima um pouco, e que me tolha as liberdades - esse vôo alucinante e sem rumo, anda me dando um cansaço danado.


quarta-feira, 24 de abril de 2013

Lispector


A escritora e jornalista ucraniana, declaradamente pernambucana, nasceu em 1920. Firmou-se no cenário literário escrevendo contos e romances com a temática existencial e psicológica, que teve como foco a exploração do íntimo dos seus personagens, em especial as figuras femininas. Em suas obras é evidente a base fincada em sensações, memórias e pensamentos do personagem, invadindo cada detalhe que se passa nos lugares mais profundos de uma pessoa, fazendo, dessa forma, com que nos identifiquemos com as suas criações. A sua tática de escrita apresenta um domínio que poucos conseguem, quando transforma uma prosa em quase poesia, na utilização de metáfora, sinestesias e demais recursos que, ao lermos Clarice, temos a impressão de estar cantando uma música acobertada da mais bela harmonia. Proporcionando-nos, destarte, não apenas o conteúdo denso (que é bastante), mas também um extenso valor artístico. Outro ponto que não se passa batido em suas obras é o choque entre os valores da época, enraizados em um moralismo perturbador, para com o desejo de libertação que os seus personagens traz consigo, nos fazendo lembrar, por vezes, da eterna Jane Austen. A autora, com o talento que deposita em suas obras, conseguiu invadir diversos mercados. Recentemente, ganhou uma importante premiação norte-americana “Melhor Livro Traduzido nos Estados Unidos” dentro da categoria de ficção, isso só confirma as palavras acima proferidas. Que este nome jamais seja esquecido, Clarice Lispector.


quinta-feira, 18 de abril de 2013

Vargas Llosa

Extraido da Revista Cult:


Ele pode não ser universalmente admirado, mas se há uma qualidade apreciável em Mario Vargas Llosa, 76, é o tipo de coragem intelectual que o leva a criticar de Damien Hirst e John Cage a Carla Bruni em seu último livro, La civilización del espectáculo (“A civilização do espetáculo”, a ser lançado no Brasil no segundo semestre pela Alfaguara).
Na nova obra do Nobel de 2010 – que vem ao Brasil em abril para o evento Fronteiras do Pensamento e cujo romance Conversa no Catedral acaba de ser reeditado pela Alfaguara brasileira –, o polêmico artista plástico britânico Damien Hirst é descrito como um “extraordinário vendedor de mentiras”, a obra “4’33’’”, do compositor de vanguarda John Cage, é mencionada em meio a um argumento de que a arte é hoje “jogo e farsa e nada mais”, e a entrada da ex-primeira-dama da França no Palácio do Eliseu exemplifica, de acordo com o autor, como o país “sucumbiu à frivolidade universalmente imperante”. Shows de rock, mangá, a indústria de Bollywood, telenovelas brasileiras e livros digitais também têm seu valor cultural esvaziado por Llosa.
Frequentemente criticado por suas opiniões políticas conservadoras, o peruano – que concorreu à presidência de seu país em 1990, perdendo no segundo turno – sublinha, nesta coleção de ensaios, sua aversão à democratização da cultura: “Esta louvável filosofia teve o indesejado efeito de trivializar e vulgarizar a vida cultural”.
De modo consideravelmente pessimista e nostálgico, o escritor se debruça na mudança do conceito de cultura ao longo de sua vida, vendo-a como convertida em algo banal e superficial por uma sociedade hedonista que prioriza o entretenimento. Segundo ele, na sociedade de hoje, o estado de ignorância não é visto como um problema, o que leva ao conformismo e à atitude passiva da civilização.
Embora lúcida e sem dúvida relevante, a premissa soa familiar demais. O próprio Llosa não hesita em apoiar seus argumentos nos de T. S. Eliot, em Notas para uma definição de cultura (Editora Perspectiva), ou de Guy Debord, em A sociedade do espetáculo (Contraponto Editora), publicados respectivamente 65 e 46 anos atrás – as primeiras trinta de duzentas páginas do livro são dedicadas basicamente a parafrasear outros autores.
Patrimônio da elite
Como Eliot, Llosa defende a cultura como patrimônio da elite, declarando que o único modo possível de democratizá-la é nivelando-a por baixo, empobrecendo-a e tornando-a superficial – precisamente o que, segundo ele, tem acontecido nas últimas décadas. Frédéric Martel, Gilles Lipovetsky e George Steiner são alguns dos contemporâneos citados, embora nem sempre em concordância.
Enquanto Lipovetsky defende uma cultura global de que indivíduos dos cinco continentes participam, Llosa acredita que ela irá tornar as pessoas submissas e desprovidas de vontade própria. Similarmente, ao passo que o filósofo francês louva os milhões de visitantes recebidos pelo Museu do Louvre, o peruano alega que as estatísticas não representam um genuíno interesse pela cultura, mas sim “puro esnobismo”.
“Toda generalização é falaciosa e não se pode meter todos por igual no mesmo saco”, escreve, ao criticar o jornalismo sensacionalista. Contudo, muito de seu livro é baseado em generalizações – em alguns casos, embora menos recorrentes, sem uma aparente verificação de dados.
Ele menciona, por exemplo, que houve um aumento de indivíduos que são religiosos apenas ocasionalmente e da boca para fora, quando na realidade suas vidas dispensam a religião inteiramente. O argumento, porém, não possui dados que o sustentem. Em outra passagem, ele menciona Canadá e Inglaterra como os países mais cultos do mundo, sem apresentar nenhuma prova concreta para tal afirmação. O ocasional tom moralista – excedido particularmente quando diz, de novo por uso da generalização, que sexo sem amor provoca “uma sensação de fracasso e frustração” – também pode incomodar a alguns.
Embora levante questões importantes para o debate sobre os rumos da cultura hoje, o livro de Mario Vargas Llosa não deixa de ser uma sincera declaracão de amor a um tempo e cultura perdidos, a cuja substituição ele se recusa a dar crédito. Assim como o jornalista Mino Carta em recente (e polêmico) editorial à revista Carta Capital, Vargas Llosa é contra a “operação de imbecilização coletiva de espectro infindo” que sofre a sociedade contemporânea.
A seguir, Mario Vargas Llosa fala à CULT em entrevista exclusiva dada durante o festival literário Hay Festival, em Cartagena de Índias, Colômbia, no Hotel Santa Clara – local que abrigava o antigo Convento de Santa Clara, onde Gabriel García Márquez situou seu romance O amor e outros demônios.
CULT – Muitas pessoas já escreveram sobre a sociedade do espetáculo antes, notavelmente Guy Debord. Que nova luz o senhor está trazendo para esse assunto?
Mario Vargas Llosa – É um ensaio sobre um aspecto da sociedade do espectáculo: a transformação do conteúdo da palavra cultura. Há cinquenta anos, associávamos a palavra à literatura, artes plásticas, músicas, balé, história, ciências humanas. Creio que essa noção de cultura se transformou completamente, mais precisamente nos últimos trinta anos, digamos. A palavra cultura se associou com coisas que tradicionalmente não formavam parte da cultura e sim do entretenimento, da grande diversão pública, popular. Como, por exemplo, os quadrinhos, as telenovelas, os reality shows, revistas de fofoca, a música não tradicional ou clássica – isso é, a música popular, que chega ao grande público. Os tradicionais valores da cultura estão cada vez mais minoritários e quase, quase clandestinos.
Este é um fenômeno que me parece muito perigoso para a sociedade do futuro, porque eu creio que a cultura não é entretenimento. É, também, entretenimento, mas é algo muito mais importante que isso. É um tipo de conhecimento, de preocupação que responde a certas perguntas que não podem encontrar resposta em outros campos. Essa é a síntese do livro.
O senhor acredita que seja um fenômeno planetário, algo que está acontecendo pela primeira vez na história?
Sim. Creio que é a primeira vez nessa dimensão. Sempre houve em todas as sociedades atividades de diversão e entretenimento. E é muito bom que haja essas atividades. Mas não se associavam, não se identificavam inteiramente com a cultura e, sobretudo, não a repensavam, não a substituíam. E esse é o fenômeno que eu creio que ocorre em nossos dias e sobre o que se refere meu ensaio.
O senhor diz que, no campo das artes visuais, especialmente depois de Marcel Duchamp e Andy Warhol, não há mais distinção entre o que é canônico e highbrow e o que não é. Tudo tem valor estético, dependendo de gosto. Por que isso representa um problema?
Porque depende do que você entende por arte. Se você acredita que a arte é uma diversão, não há nenhum problema. Você pode buscar coisas que são originais e banais, coisas que são sérias e que não são sérias. Mas se você acha que a arte tem a função muito mais importante que a de entreter e divertir, que é a de preocupar, de te abrir janelas para determinados problemas existenciais, políticos, culturais, filosóficos; então a confusão de valores, de não saber distinguir o que é belo, o que é feio, o que é autêntico, o que é postiço e artificial, sim, é bastante grave.
Essa é uma conclusão relacionada à cultura, à vida das pessoas, aos valores que regulam a conduta das pessoas. E num campo sobretudo isso é muito perigoso, que é o campo da vida pública, a vida cívica. O espírito crítico desaparece, se deprava, degenera. A liberdade e a democracia sofrem uma ameaça muito considerável. Isso para mim é consequência de confundir arte com lixo, a arte autêntica com a arte dos trapaceiros, dos palhaços.
Devem existir trapaceiros e devem existir palhaços para a diversão, mas se isso passa a substituir inteiramente a arte, então creio que há consequências que têm um efeito tremendamente negativo, sobretudo na vida cívica da sociedade.
Acredita, por exemplo, que a obra de John Cage, mencionado em seu livro, não tem valor artístico?
John Cage é um agitador. Ele tem essa vocação rupturística, de romper com a tradição, inovar. A atitude é simpática, mas o resultado foi fazer uma confusão maior. John Cage não é um criador. É um agitador, um demolidor. É uma espécie de figura muito interessante que existe em todo âmbito cultural. Alguém que questiona o existente, que quer substituir o existente com algo novo. Mas acho que, como no caso de Duchamp, John Cage destruiu muito e não construiu nada. O que deixou foi uma grande confusão de restos e de grosserias que não foram fertilizados. O que geraram foi uma espécie de desculpa para a indisciplina e também para a enganação. Essa é a minha crítica a John Cage.
É a mesma a Duchamp, que era uma pessoa genial, mas criou uma grande confusão. Restos e grosserias se justificam se provocam consequências que se podem chamar de criativas, produtivas. Mas não existem valores. Tudo vale no campo da arte? Mentira. Não vale tudo. Não é verdade. Há coisas que são originais e coisas que não são. Coisas profundas e coisas superficiais. E esse tipo de valores são os que determinavam a cultura. Hoje em dia, em nossa trivialidade cultural, é quase impossível fazer esse tipo de valoração e discriminação.
Na sua opinião, há um modo de voltar a ter essa distinção, ou, ainda,  acredita que a sociedade irá eventualmente recriar estes parâmetros?
Acredito. Mas não regressando ao passado, e sim olhando outra vez a cultura de acordo com a problemática da nossa época, com um conteúdo profundo, rico e criativo. E acho que o caminho é a educação. Mas a educação no sentido mais amplo da palavra, não somente nos colégios e nas universidades, mas nas famílias e nos meios de comunicação – o que é muito difícil quando a informação passou a ser também uma forma de diversão, que passou a ser o objetivo primordial das pessoas.
Sendo assim, muito dificilmente os meios de comunicação podem contribuir para resgatar a necessidade de certos valores mais ou menos estáveis e permanentes. Esse fenômeno, todavia, é um processo. E é preciso haver autênticos criadores, pensadores e escritores. Mas o que quero assinalar é que a confusão cresce mais rapidamente que a defesa da autenticidade. E é um fenômeno pela primeira vez planetário. Vê-se nos países desenvolvidos, subdesenvolvidos, no Ocidente, na Ásia, na África. É uma globalização irreversível.
A internet é outro exemplo onde não há distinção entre alta e baixa cultura. Contudo, seu surgimento democratizou o acesso à cultura mais do que qualquer outro fato, dando aos indivíduos uma autonomia e liberdade de que não desfrutavam antes. O que pensa disso?
A internet democratizou a informação, mas não a cultura. Foi uma grande revolução, muito positiva, do nosso tempo. Mas essa informação, se não há uma cultura que discrimine, pode também naturalizar completamente a informação, porque o excesso de informação pode ser um excesso de confusão. Por isso a cultura é muito importante, pois permite distinguir o que é relevante do que não é relevante.
O senhor utiliza a internet?
Sim… quando não tenho mais remédio.
Embora best-sellers como o recente 50 tons de cinza não possuam valor entre críticos, intelectuais e a academia, não podemos ignorar o fato de que cativam leitores que possivelmente não estariam lendo nada. O senhor reconhece o valor da dita baixa cultura, ou a rejeita completamente?
Sempre houve literatura popular, para entretenimento. E é bom que haja. O que é terrível é quando isso passa a substituir o que era tradicionalmente a verdadeira literatura. E essa é uma característica contemporânea. E por isso os leitores leem o quê? Não leem Proust. Não leem Kafka. Não leem Joyce. Não leem Guimarães Rosa (sou um grande admirador de Guimarães Rosa). Mas se aquilo de que você gosta são os best-sellers, já não pode ler Guimarães Rosa porque está sem condições de fazer o esforço intelectual para poder ler Grande sertão: Veredas. Impossível.


terça-feira, 16 de abril de 2013

A Educação de um Garoto

Extraído de BRAVO! Online

O sul-africano J. M. Coetzee lança A Infância de Jesus. O romance narra o crescimento de David em meio a dificuldades com o sistema de ensino. BRAVO! disponibiliza a seguir um capítulo do livro


Ao voltar para o quarto essa noite, ele encontra um recado debaixo da porta. É de Ana:O senhor e David gostariam de ir a um piquenique para recém-chegados? Me encontrem amanhã ao meio-dia no parque, perto da fonte. A.
Ao meio-dia, estão na fonte. Já está quente — até os pássaros parecem letárgicos. Longe do barulho do tráfego, se instalam debaixo de uma árvore frondosa. Ana chega pouco depois, com uma cesta. “Desculpe”, diz, “tive de resolver uma coisa.”
“Quantas pessoas vêm?”, ele pergunta.
“Não sei. Talvez meia dúzia. Vamos esperar para ver.”
Eles esperam. Não vem ninguém. “Parece que somos só nós”, Ana diz afinal. “Vamos começar?”
A cesta contém apenas um pacote de bolachas, um pote de pasta de feijão sem sal e uma garrafa de água.
Mas o menino devora sua parte sem reclamar.
Ana boceja, se estende na grama, fecha os olhos.
“O que você quis dizer outro dia quando usou as palavrastirar tudo da cabeça?”, ele pergunta. “Você disse que David e eu temos de tirar da cabeça as ligações antigas.”
Preguiçosa, Ana sacode a cabeça. “Outra hora”, diz. “Agora não.”
No tom dela, em seu olhar velado, ele sente um convite. A meia dúzia de participantes que não apareceu — seria uma invenção? Se o menino não estivesse ali ele deitaria ao lado dela no gramado e talvez deixasse sua mão pousar bem de leve na mão dela.
“Não”, ela murmura, como se lesse seus pensamentos. Um fantasma de ruga passa por sua testa. “Isso não.”
Isso não. Como entender essa moça, ora quente, ora fria? Será que tem alguma coisa na etiqueta dos sexos ou das gerações nesta terra nova que ele não está entendendo?
O menino o cutuca, aponta o pacote de bolachas quase vazio. Ele passa um pouco de pasta numa bolacha e dá a ele.
“Ele tem bastante apetite”, diz a moça, sem abrir os olhos.
“Está o tempo todo com fome.”
“Não se preocupe. Ele se adapta. Criança se adapta depressa.”
“Se adapta a passar fome? Por que ele haveria de se adaptar à fome se não existe nenhuma falta de comida?”
“Se adapta a uma dieta moderada, eu quis dizer. A fome é como um cachorro dentro do estômago: quanto mais comida se dá, mais ele exige.” Ela se senta de repente, se dirige ao menino. “Ouvi dizer que você está procurando sua mãe”, ela diz. “Está com saudade da mamãe?”
O menino faz que sim.
“E como é o nome da sua mãe?”
O menino olha interrogativamente para ele.
“Ele não sabe o nome dela”, ele diz. “Tinha uma carta quando tomou o navio, mas perdeu.”
“O barbante arrebentou”, o menino diz.
“A carta estava numa bolsinha”, ele explica, “pendurada no pescoço dele com um barbante. O barbante arrebentou e a carta se perdeu. Procuraram no navio inteiro. Foi assim que eu conheci
o David. Mas a carta, não encontraram.”
“Caiu no mar”, diz o menino. “Os peixes comeram.”
Ana franze a testa. “Se você não lembra o nome da sua mamãe, pode me contar como ela era? Consegue desenhar um retrato dela?”
O menino sacode a cabeça.
“Então, a mamãe se perdeu e você não sabe onde procurar.”
Ana faz uma pausa para refletir. “Então, que tal se o seupadriñocomeçar a procurar outra mamãe para você, para te
amar e cuidar de você?”
“O que que épadriño?”, o menino pergunta.
“Você fica me encaixando em papéis”, ele interrompe. “Não sou pai do David, nempadriño. Simplesmente estou ajudando o menino a encontrar a mãe.”
Ela ignora o protesto. “Se arrumar uma esposa”, diz ela, “pode servir de mãe para ele.”
Ele cai na gargalhada. “Que mulher vai querer casar com um homem como eu, um estranho que não tem nem uma muda de roupa?” Ele espera que a moça discorde, mas ela não fala nada. “Além disso, mesmo que eu arrumasse de fato uma esposa, quem garante que ela ia querer — sabe — um filho adotivo? Ou que o nosso amiguinho aqui ia aceitar outra mãe?”
“Nunca se sabe. Crianças se adaptam.”
“Como você sempre diz.” Ele sente a raiva crescer por dentro. O que essa moça tão assertiva sabe de crianças? E que direito tem de lhe passar sermão? Então, de repente, as peças do quebra-cabeças todas se encaixam. As roupas de mau gosto, a severidade desconcertante, a história de padrinho — “Você por acaso é freira, Ana?”, ele pergunta.
Ela sorri. “Por que está perguntando?”
“Você é uma daquelas freiras que largou o convento para viver no mundo? Para trabalhar com coisas que ninguém mais quer fazer: em prisões, orfanatos, asilos? Em centros de recepção de refugiados?”
“Que ridículo. Claro que não. O Centro não é uma prisão. Não é uma entidade filantrópica. Faz parte daAsistencia Social.
“Mesmo assim, como aguentar uma onda sem fim de gente como nós, desamparada, ignorante, carente, se não tiver fé em alguma coisa para ganhar forças?”
“Fé? Não tem nada a ver com fé. Fé quer dizer acreditar no que você faz mesmo que não dê frutos visíveis. O Centro não é assim. As pessoas chegam precisando de ajuda e nós ajudamos. Ajudamos e a vida delas melhora. Não tem nada de invisível. Nada que exija fé cega. Nós fazemos o nosso trabalho e tudo acaba dando certo. É só isso.”
“Nada de invisível?”
“Nada de invisível. Duas semanas atrás o senhor estava em Belstar. Na semana passada, encontrou trabalho nas docas. Hoje está fazendo piquenique no parque. O que tem de invisível nisso tudo? É progresso, progresso visível. E só para responder a sua pergunta, não, eu não sou freira.”
“Então por que prega esse ascetismo? Diz que temos de dominar a fome, de deixar o cachorro interno a pão e água. Por quê? Qual o problema com a fome? Para que servem os apetites da gente senão para mostrar o que precisamos? Se a gente não tivesse apetites, desejos, como ia viver?”
Parece-lhe uma boa questão, uma questão séria, que poderia perturbar até a freira mais estudada.
A resposta dela vem bem fácil, tão fácil e em voz tão baixa, como se fosse para o menino não ouvir, que por um momento ele se equivoca: “E no seu caso, para onde seus desejos levam o senhor?”.
“Meus desejos? Posso ser franco?”
“Pode.”
“Sem querer desrespeitar você nem sua hospitalidade, me levam a mais que bolacha e pasta de feijão. Me levam, por exemplo, a carne com purê de batata e molho. E tenho certeza que este rapazinho aqui” — ele estende a mão e pega o braço do menino — “sente a mesma coisa. Não sente?”
O menino balança vigorosamente a cabeça.
“Carne pingando molho”, ele continua. “Sabe o que mais me surpreende neste país?” Um tom ousado está se infiltrando em sua fala; seria mais sensato parar, mas ele não para. “Que seja tão manso. Todo mundo que eu encontro é tão bom, tão gentil, tão bem-intencionado. Ninguém xinga, ninguém fica bravo. Ninguém fica bêbado. Ninguém nem levanta a voz. Vivem num regime de pão, água e pasta de feijão e dizem que estão satisfeitos. Como pode ser, humanamente falando? Vocês estão mentindo, até para si mesmos?”
A moça abraça os joelhos, olha para ele sem dizer nada, esperando que ele termine a tirada.
“Nós estamos com fome, esse menino e eu.” Com força, ele puxa o menino para si. “Estamos com fome o tempo todo. Você me diz que nossa fome é uma coisa de outro mundo que trouxemos conosco, que não tem lugar para ela aqui, que temos que dominar a fome. Quando acabarmos com nossa fome, teremos provado que somos capazes de nos adaptar, e poderemos ser felizes para sempre. Mas eu não quero matar de fome o cachorro aqui dentro! Quero dar comida para ele! Você não acha?” Sacode o menino. O menino se enfia debaixo de sua axila, sorrindo, fazendo que sim com a cabeça. “Não acha, menino?”
Cai um silêncio.
“O senhor está mesmo com raiva”, diz Ana.
“Não estou com raiva. Estou com fome! Me diga: o que tem de errado em satisfazer um apetite comum? Por que nossos impulsos, fomes e desejos normais precisam ser eliminados?”
“Tem certeza que quer continuar falando disso na frente do menino?”
“Não tenho vergonha do que estou dizendo. Não é nada que se deva esconder de uma criança. Se uma criança pode dormir ao relento, em cima do chão duro, então também pode escutar uma discussão séria entre adultos.”
“Muito bem, então eu vou em frente com a discussão séria. O que o senhor quer de mim é uma coisa que eu não faço.”
Ele olha, perplexo. “O que eu quero de você?”
“É. O senhor quer que eu deixe o senhor me abraçar. Nós dois sabemos o que isso quer dizer:abraçar. E eu não permito isso.”
“Não falei nada de te abraçar. E o que tem de errado em abraçar, afinal, se você não é freira?”
“Recusar desejos não tem nada a ver com ser ou não ser freira. Eu simplesmente não faço isso. Não permito. Não gosto. Não tenho apetite para isso. Não tenho apetite para a coisa em si e não desejo ver o que isso faz com os seres humanos. O que faz com um homem.”
“O que quer dizer isso:o que faz com um homem?”
Ela olha intensamente para o menino. “Tem certeza que quer continuar?”
“Continue. Nunca é cedo para aprender sobre a vida.”
“Tudo bem. O senhor me acha atraente, eu sei disso. Talvez até me ache bonita. E porque me acha bonita, seu apetite, seu impulso, é me abraçar. Estou lendo direito os sinais? Os sinais que o senhor está me dando? Porque se não me achasse bonita, não teria esse impulso.”
Ele fica em silêncio.
“Quanto mais bonita acha que eu sou, mais urgente fica seu apetite. É assim que funcionam esses apetites que o senhor toma por estrelas guias e segue cegamente. Agora pense um pouco. Por favor, me diga, o que a beleza tem a ver com o abraço ao qual o senhor quer me submeter? Qual a relação entre uma coisa e outra? Explique.”
Ele fica quieto, mais que quieto. Fica pasmo.
“Vamos lá. O senhor falou que não se importava que o seu afilhado ouvisse. Falou que queria que ele aprendesse sobre a vida.”
“Entre um homem e uma mulher”, ele diz, afinal, “às vezes surge uma atração natural, imprevista, não premeditada.
Um acha o outro atraente, ou mesmo, para usar a outra palavra, bonito. A mulher mais bonita que o homem, geralmente. Porque uma coisa vem depois da outra, a atração e o desejo de abraçar vêm da beleza, é um mistério que eu não sei explicar a não ser para dizer que ser atraído por uma mulher é o único tributo que eu, que o meu ser físico, sabe prestar à beleza de uma mulher. Chamo de tributo porque sinto que é uma oferenda, não um insulto.”
Ele faz uma pausa. “Continue”, ela diz.
“É só isso que eu queria dizer.”
“É isso. E como um tributo a mim — uma oferenda, não um insulto —, o senhor quer me abraçar apertado e enfiar uma parte do seu corpo dentro de mim. Como um tributo, o senhor diz. Estou perplexa. A coisa toda me parece um absurdo — absurdo o senhor querer fazer isso, absurdo se eu permitir.”
“Só quando você fala desse jeito é que parece absurdo. Em si, não tem nada de absurdo. Não pode ser absurdo, uma vez que é um desejo natural do corpo natural. É a natureza falando em nós. É o jeito como as coisas são. O jeito como as coisas são não pode ser absurdo.”
“É mesmo? E se eu disser que me parece não só absurdo, mas feio também?”
Ele sacode a cabeça sem poder acreditar. “Não pode estar falando sério. Eu posso parecer velho e feio — eu e meus desejos. Mas com certeza você não pode acreditar que a natureza em si seja feia.”
“Posso, sim. A natureza pode fazer parte da beleza, mas a natureza pode fazer parte da feiura também. As partes do corpo que o senhor discretamente não menciona, não na frente do seu afilhado: acha que são bonitas?”
“Em si mesmas? Não, em si elas não são bonitas. O todo é que é bonito, não as partes.”
“E essas partes que não são bonitas — o senhor quer pôr dentro de mim! O que eu devo pensar?”
“Não sei. Me diga o que pensa.”
“Que toda essa conversa bonita de prestar tributo à beleza éuna tontería. Se o senhor achasse que eu sou uma encarnação do bem, não ia querer praticar essas coisas comigo. E então por que quer fazer isso se eu sou uma encarnação da beleza? A beleza é inferior ao bem? Explique.”
Una tontería: o que é?”
“Bobagem. Absurdo.”
Ele se põe de pé. “Eu não vou mais ficar me desculpando, Ana. Acho que essa discussão não vai levar a nada. Acho que não sabe do que está falando.”
“É mesmo? Acha que eu sou uma criança ignorante?”
“Pode não ser uma criança, mas acho, sim, que é ignorante das coisas da vida. Venha”, ele diz ao menino, e pega sua mão. “Já fizemos nosso piquenique, agora está na hora de agradecer à moça e procurar alguma coisa para a gente comer.”
Ana se reclina na grama, estica as pernas, cruza as mãos no colo, sorri para ele, zombeteira. “Cutucou a ferida, foi?”,ela pergunta.
Debaixo do sol escaldante, ele atravessa o parque vazio, o menino trotando para acompanhar seu ritmo.
“O que épadriño?”, o menino pergunta.
Padriñoé uma pessoa que fica no lugar do seu pai quando, por alguma razão, seu pai não está.”
“Você é meupadriño?”
“Não, não sou. Ninguém me convidou para ser seu padrinho. Sou só seu amigo.”
“Eu posso convidar você para ser meupadriño.”
“Isso não é você que faz, meu menino. Não pode escolher um padrinho para você mesmo, do mesmo jeito que não pode escolher seu pai. Não tem uma palavra certa para o que eu sou para você, assim como não tem uma palavra certa para o que você é para mim. Mas se você quiser, pode me chamar de Tio. Quando perguntarem:Quem ele é para você?, você pode responder:Ele é meu tio. Ele é meu tio e gosta de mim. E eu vou dizer:Ele é o meu menino.
“Mas aquela moça vai ser minha mãe?”
“Ana? Não. Ela não está interessada em ser mãe.”
“Você vai casar com ela?”
“Claro que não. Não estou aqui procurando esposa, estou aqui para ajudar você a encontrar sua mãe, sua mãe de verdade.”
Ele está tentando manter a voz controlada, o tom leve; mas a verdade é que o ataque da moça o abalou.
“Você ficou bravo com ela”, diz o menino. “Por que ficou bravo?”
Ele para de andar, ergue o menino e lhe dá um beijo na testa. “Desculpe eu ter ficado bravo. Não estava bravo com você.”
“Mas ficou bravo com a moça e ela ficou brava com você.”
“Fiquei bravo com ela porque ela nos trata mal e eu não entendo por quê. Nós discutimos, ela e eu, discutimos a sério. Mas agora já passou. Não foi importante.”
“Ela disse que você queria enfiar uma coisa dentro dela.”
Ele se cala.
“O que que é isso? Você quer mesmo enfiar uma coisa dentro dela?”
“Era só um modo de dizer. Ela estava querendo dizer que eu estava tentando impor as minhas ideias para ela. E tinha razão. A gente não deve impor ideias para os outros.”
“Eu imponho ideias para você?”
“Não, claro que não. Vamos procurar alguma coisa para comer.”
Eles vasculham as ruas a leste do parque, em busca de algum tipo de restaurante. É um bairro de casas modestas, com
um prédio de apartamentos de vez em quando. Encontram apenas uma loja. naranjas, diz a placa, em letras grandes. As portas metálicas estão fechadas de forma que ele não consegue ver se vendem laranjas de fato ou seNaranjasé apenas um nome.
Ele se dirige a um homem que passa com um cachorro na guia. “Com licença”, diz, “meu menino e eu estamos procurando um café ou um restaurante para comer, ou, se não isso, uma loja de mantimentos.”
“Domingo de tarde?”, o homem pergunta. O cachorro fareja os sapatos do menino, depois seus fundilhos. “Não sei o que sugerir, a menos que esteja disposto a ir até a cidade.”
“Tem algum ônibus?”
“O número 42, mas não funciona domingo.”
“Então, não podemos de fato ir até a cidade. E não tem nada por perto onde a gente possa comer. E todas as lojas estãofechadas. O que o senhor sugere que a gente faça?”
Os traços do homem endurecem. Ele puxa a guia do cachorro. “Vamos, Bruno”, diz.
Mal-humorado, ele volta ao Centro. Avançam devagar, uma vez que o menino fica hesitando e pulando para evitar asrachaduras do calçamento.
“Vamos mais depressa”, ele diz, irritado. “Deixe para brincar outro dia.”
“Não. Não quero cair dentro de uma rachadura.”
“Que bobagem. Como um menino grande como você pode cair dentro de uma rachadura pequena dessas?”
“Não essa rachadura. Outra rachadura.”
“Qual rachadura? Mostre qual.”
“Não sei! Não sei qual rachadura. Ninguém sabe.”
“Ninguém sabe porque ninguém pode cair dentro de uma rachadura do calçamento. Agora vamos depressa.”
“Eu posso! Você pode! Qualquer um pode! Você que não sabe!”

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Horrível e Sagrado

Retirado de BRAVO! Online


Admirado por pensadores como Roland Barthes e Michel Foucault, o escritor francês Georges Bataille (1897-1962) notabilizou-se por uma obra libertária, influenciada pela psicanálise, pela antropologia e pelo surrealismo. Em O Erotismo, ele propõe uma definição para o termo que o associa à transgressão de regras e à religião, transformando o ensaio num clássico. Em 1957, ano da publicação do livro, Bataille escreveu uma carta a Roger Caillois, sociólogo e crítico literário, submetendo-lhe o projeto de uma revista sobre o mesmo tema, Genèse, que não saiu do papel. Na missiva, o escritor incorporou um texto que sintetiza o ensaio. Inédito por aqui e apresentado a seguir, A Significação do Erotismo integra a nova edição brasileira do livro, que será lançada em abril pela Autêntica.
“O tempo presente viu ocorrerem importantes mudanças nas condições da vida sexual.
Convém dar a essas mudanças o nome de revolução sexual. Elas acontecem por etapas, há várias gerações. Ligadas ao conjunto de nossas transformações sociais, foram, em particular, a consequência do abalo que se seguiu à Primeira Guerra Mundial.
Nossa revolução sexual tem múltiplas significações. Houve inicialmente o movimento de oposição às regras estreitas que paralisavam as relações dos sexos entre si. Ao mesmo tempo, a revisão de uma moral fundada sobre a noção de pecado sexual e de vergonha. O homem moderno teve que responder, por outro lado, à necessidade de esclarecer aquilo que permanecia nele de sombrio e fugidio. A humanidade devia enfim conhecer a si mesma inteiramente, devia dominar seus poderes e reencontrar sua unidade.
Essas mudanças foram ajudadas e aceleradas pelas descobertas da psicologia moderna e da psicanálise; o progresso dos conhecimentos em matéria de sexualidade as assegurou e aumentou seu alcance. Não apenas nossos costumes, como também a consciência aprofundada que temos de nós mesmos, nos opõem de maneira contundente à humanidade anterior a essa revolução sexual. Não é que a humanidade volte à ingenuidade dos povos selvagens, mas, saindo de um mundo onde seus impulsos mais fortes eram cegamente reprimidos, abre-se diante dela a possibilidade de uma lucidez sem igual. Ela se beneficia de uma liberdade real, mas tem a memória de um passado recente: situa essa liberdade em relação a uma servidão cuja experiência ainda traz inscrita em si.
As descobertas de Freud, começadas no fim do século passado, tiveram uma importância decisiva. Elas modificaram estranhamente a imagem que o homem fazia de si mesmo. A psicanálise substitui o idealismo tradicional por uma representação mais modesta. Segundo ela, o impulso sexual começa com a vida. E as desordens que, desde a tenra infância, esse impulso nos impõe têm consequências na idade adulta. Do berço ao leito de morte, a sexualidade está na base de uma agitação que a ingenuidade do pensamento comum, imbuído de idealismo, desconhece. A sexualidade não é, como foi apressadamente deduzido, o fundamento da vida humana: foi sem dúvida o trabalho que, desde a origem, diferenciou o homem do animal. Mas as mentiras do idealismo foram possíveis na medida em que uma humanidade cega negou os impulsos sexuais que, todavia, não haviam cessado de agitá-la profundamente. Os trabalhos de Freud permitiram saber que os impulsos sexuais se traduzem também em nossas aspirações elevadas: eles se exprimem, em particular, na religião e, finalmente, na arte e na literatura. Estamos assim, graças à psicanálise, nos antípodas da antiga maneira de ver, para a qual a sexualidade era a tara congênita de uma criatura que aspira à perfeição.
Se os resultados da psicanálise estão na base do conhecimento moderno da sexualidade, existe a possibilidade hoje de, sem negligenciá-los, ir ainda mais longe. Podemos reencontrar a significação do erotismo no plano em que se colocava outrora a religião. Talvez cheguemos assim a uma das descobertas mais importantes de nosso tempo. Pelo menos é indo nessa direção que podemos ter acesso às últimas consequências de nossa revolução sexual.
Eis o que hoje podemos postular:
EM SUA VERDADE FUNDAMENTAL, O EROTISMO É SAGRADO, O EROTISMO É DIVINO.
Reciprocamente, o sagrado, o divino, se podem se afastar do erotismo, têm em sua base a violência e a intensidade deste, participam, em seu fundamento, do mesmo impulso.
A humanidade profunda só se revela a nós se reconhecemos a unidade do sentimento divino – do estremecimento sagrado – e do erotismo liberado da imagem grosseira imposta pela pudicícia tradicional. (...)
Isso não deve nos impedir de ver, em contrapartida, os aspectos alarmantes do erotismo; geralmente, o divino, o sagrado também são acompanhados de horror. Em todo caso, emana do erotismo algo de trágico, que não podemos negar e que devemos considerar antes de tudo em nossa meditação profunda.
O marquês de Sade exprimiu esse lado da realidade sexual. Quaisquer que sejam os aspectos insustentáveis de sua obra, ele compreendeu que o erotismo – e o horror implicado no fundo do desejo erótico – colocava em questão o homem inteiro. Devemos reconhecer desde o princípio que, falando do erotismo, levantamos a questão mais pesada.
Quero lembrar aqui esta frase de Maurice Blanchot [escritor francês] a respeito do pensamento de Sade:
Não estamos dizendo que esse pensamento seja viável. Mas ele nos mostra que entre o homem normal, que encerra o homem sádico num impasse, e o sádico, que faz desse impasse uma saída, é este que conhece melhor a lógica de sua situação e que tem dela o entendimento mais profundo, a ponto de poder ajudar o homem normal a se compreender a si mesmo, ajudando-o a modificar as condições de toda compreensão.
A meu ver, essa frase exprime a dificuldade essencial que devemos perceber quando abordamos o domínio sagrado do erotismo.
O erotismo abre um abismo. Querer iluminar suas profundezas exige ao mesmo tempo uma grande resolução e uma calma lucidez, a consciência de tudo aquilo que uma intenção tão contrária ao sono geral coloca em jogo: é certamente o mais horrível, e é também o mais sagrado.”
O livroO Erotismo, de Georges Bataille. Tradução de Fernando Scheibe. Editora Autêntica. Preço a definir. Lançamento previsto para abril.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Llosa e o Mundo Crítico




Jorge Mario Vargas Llosa, primeiro Marquês de Vargas Llhosa, nasceu em Arequipa, no dia 28 de 1936, é escritor, jornalista, ensaísta, nobre e político peruano, mundialmente conhecido e admirado por não ter censura ao escrever, tendo sido laureado com o Nobel de Literatura em 2010. É apreciável a coragem e desprendimento intelectual que há em Llosa, não tendo pudor, sendo seduzido e seduzindo a críticas mais ousadas. Exemplos são as críticas endereçadas a Damien Hirst e John Cage a Carla Bruni em seu último livro, La civilización del espectáculo “A civilização do espetáculo”. O principal alvo de suas críticas é a cultura contemporânea, no qual se mostra altamente contra à democratização da cultura, quando diz “Esta louvável filosofia teve o indesejado efeito de trivializar e vulgarizar a vida cultural”. É, deste modo, que o escritor com tons pessimistas e nostálgicos, se debruça na história cultural que permeou a sua vida, abraçando uma visão em que houve uma conversão cultural para algo banal e superficial, se adequando a uma sociedade hedonista que está sempre priorizando o que pouco importa, as futilidades e entretenimento.