Por Caio Peroni
Eu nem sempre apresento respostas objetivas às perguntas que proponho. Se quer saber, leitor, é esse o grande barato da vida. Ir dormir com um grande ponto de interrogação na cabeça. Por esse motivo, talvez você chegue ao final do texto sem uma resposta minha; talvez você precise formular a sua.
É fato, contudo, que, por mais que eu não faça o bolo, eu pelo menos dou a receita. Então, mãos à obra!
Chegará o dia em que discutiremos todas as questões a respeito da autoria do tradutor sobre a tradução, mas, para hoje, basta mencionar algo que deveria ser óbvio: o tradutor escreve a tradução. Claro! Mas, por ser o nome do autor do chamado “original” que grita na capa – o mais comum, salvo alguns casos mais específicos, é que o nome do tradutor apareça na folha de rosto –, a maioria das pessoas se esquece de que entre a publicação do livro no exterior e a prateleira de uma livraria brasileira há um profissional chamado tradutor.
A questão é que, ao se debruçar sobre um livro oriundo de uma cultura para transpô-la à sua (ou a qualquer outra), o tradutor não funciona como uma máquina – existem os famigerados tradutores automáticos, que já agem como máquinas, e me arrisco a dizer que com certeza falaremos sobre eles no futuro. Há um processo criativo (eis a palavra-chave!) exercido pelo tradutor no momento da transposição. Existem processos para todos os gostos: conheço tradutores que leem o texto na língua de partida (material chamado “original”) mais de uma vez antes de a tradução começar; já outros vão traduzindo à medida que leem e, depois, releem para garantir que todas as pontas se amarrem.
Não só de processo criativo e releitura é feita a tradução literária. Há muita pesquisa envolvida, também. Quando traduzi “The Raven”, do mestre Edgar Allan Poe, a barreira linguística não foi a única que encontrei. Poe injetou uma boa dose de mitologia religiosa nos célebres versos, e eu precisei me familiarizar com todas as referências para traduzir da maneira mais adequada.
Quantas semelhanças entre a criação literária e a atividade tradutória! Isso tudo nos permite pensar que o tradutor literário precisa, necessariamente, ser um escritor para atuar como tradutor literário?
Como eu mencionei no início, talvez eu não apresente uma resposta muito objetiva. Isso não significa, contudo, que não possa dar um parecer que ao menos soe plausível. Aí vai: se o tradutor literário não éum escritor, ao menos precisa saber como é ser um escritor. Entender a rotina, os anseios, as mais diversas trajetórias, o trabalho com a imaginação, os processos criativos.
Em poucos anos que tenho de prática literária, aprendi que poucas pessoas fora do ramo entendem o trabalho de um escritor. Portanto, o tradutor literário não precisa, necessariamente, sustentar uma carreira como escritor, dar palestras sobre seus livros e publicar regularmente. Ele precisa, contudo, ser capaz de bancar o escritor, pelo menos enquanto traduz.
Afinal, eu sempre pensei que a tradução literária pudesse ser classificada como um gênero. Temos o conto, a novela, o romance e (por que não?) a tradução. Eu diria, portanto, que o tradutor literário já é um escritor, mesmo que jamais venha a publicar um livro em que seu nome grite na capa.
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