quinta-feira, 18 de abril de 2013

Vargas Llosa

Extraido da Revista Cult:


Ele pode não ser universalmente admirado, mas se há uma qualidade apreciável em Mario Vargas Llosa, 76, é o tipo de coragem intelectual que o leva a criticar de Damien Hirst e John Cage a Carla Bruni em seu último livro, La civilización del espectáculo (“A civilização do espetáculo”, a ser lançado no Brasil no segundo semestre pela Alfaguara).
Na nova obra do Nobel de 2010 – que vem ao Brasil em abril para o evento Fronteiras do Pensamento e cujo romance Conversa no Catedral acaba de ser reeditado pela Alfaguara brasileira –, o polêmico artista plástico britânico Damien Hirst é descrito como um “extraordinário vendedor de mentiras”, a obra “4’33’’”, do compositor de vanguarda John Cage, é mencionada em meio a um argumento de que a arte é hoje “jogo e farsa e nada mais”, e a entrada da ex-primeira-dama da França no Palácio do Eliseu exemplifica, de acordo com o autor, como o país “sucumbiu à frivolidade universalmente imperante”. Shows de rock, mangá, a indústria de Bollywood, telenovelas brasileiras e livros digitais também têm seu valor cultural esvaziado por Llosa.
Frequentemente criticado por suas opiniões políticas conservadoras, o peruano – que concorreu à presidência de seu país em 1990, perdendo no segundo turno – sublinha, nesta coleção de ensaios, sua aversão à democratização da cultura: “Esta louvável filosofia teve o indesejado efeito de trivializar e vulgarizar a vida cultural”.
De modo consideravelmente pessimista e nostálgico, o escritor se debruça na mudança do conceito de cultura ao longo de sua vida, vendo-a como convertida em algo banal e superficial por uma sociedade hedonista que prioriza o entretenimento. Segundo ele, na sociedade de hoje, o estado de ignorância não é visto como um problema, o que leva ao conformismo e à atitude passiva da civilização.
Embora lúcida e sem dúvida relevante, a premissa soa familiar demais. O próprio Llosa não hesita em apoiar seus argumentos nos de T. S. Eliot, em Notas para uma definição de cultura (Editora Perspectiva), ou de Guy Debord, em A sociedade do espetáculo (Contraponto Editora), publicados respectivamente 65 e 46 anos atrás – as primeiras trinta de duzentas páginas do livro são dedicadas basicamente a parafrasear outros autores.
Patrimônio da elite
Como Eliot, Llosa defende a cultura como patrimônio da elite, declarando que o único modo possível de democratizá-la é nivelando-a por baixo, empobrecendo-a e tornando-a superficial – precisamente o que, segundo ele, tem acontecido nas últimas décadas. Frédéric Martel, Gilles Lipovetsky e George Steiner são alguns dos contemporâneos citados, embora nem sempre em concordância.
Enquanto Lipovetsky defende uma cultura global de que indivíduos dos cinco continentes participam, Llosa acredita que ela irá tornar as pessoas submissas e desprovidas de vontade própria. Similarmente, ao passo que o filósofo francês louva os milhões de visitantes recebidos pelo Museu do Louvre, o peruano alega que as estatísticas não representam um genuíno interesse pela cultura, mas sim “puro esnobismo”.
“Toda generalização é falaciosa e não se pode meter todos por igual no mesmo saco”, escreve, ao criticar o jornalismo sensacionalista. Contudo, muito de seu livro é baseado em generalizações – em alguns casos, embora menos recorrentes, sem uma aparente verificação de dados.
Ele menciona, por exemplo, que houve um aumento de indivíduos que são religiosos apenas ocasionalmente e da boca para fora, quando na realidade suas vidas dispensam a religião inteiramente. O argumento, porém, não possui dados que o sustentem. Em outra passagem, ele menciona Canadá e Inglaterra como os países mais cultos do mundo, sem apresentar nenhuma prova concreta para tal afirmação. O ocasional tom moralista – excedido particularmente quando diz, de novo por uso da generalização, que sexo sem amor provoca “uma sensação de fracasso e frustração” – também pode incomodar a alguns.
Embora levante questões importantes para o debate sobre os rumos da cultura hoje, o livro de Mario Vargas Llosa não deixa de ser uma sincera declaracão de amor a um tempo e cultura perdidos, a cuja substituição ele se recusa a dar crédito. Assim como o jornalista Mino Carta em recente (e polêmico) editorial à revista Carta Capital, Vargas Llosa é contra a “operação de imbecilização coletiva de espectro infindo” que sofre a sociedade contemporânea.
A seguir, Mario Vargas Llosa fala à CULT em entrevista exclusiva dada durante o festival literário Hay Festival, em Cartagena de Índias, Colômbia, no Hotel Santa Clara – local que abrigava o antigo Convento de Santa Clara, onde Gabriel García Márquez situou seu romance O amor e outros demônios.
CULT – Muitas pessoas já escreveram sobre a sociedade do espetáculo antes, notavelmente Guy Debord. Que nova luz o senhor está trazendo para esse assunto?
Mario Vargas Llosa – É um ensaio sobre um aspecto da sociedade do espectáculo: a transformação do conteúdo da palavra cultura. Há cinquenta anos, associávamos a palavra à literatura, artes plásticas, músicas, balé, história, ciências humanas. Creio que essa noção de cultura se transformou completamente, mais precisamente nos últimos trinta anos, digamos. A palavra cultura se associou com coisas que tradicionalmente não formavam parte da cultura e sim do entretenimento, da grande diversão pública, popular. Como, por exemplo, os quadrinhos, as telenovelas, os reality shows, revistas de fofoca, a música não tradicional ou clássica – isso é, a música popular, que chega ao grande público. Os tradicionais valores da cultura estão cada vez mais minoritários e quase, quase clandestinos.
Este é um fenômeno que me parece muito perigoso para a sociedade do futuro, porque eu creio que a cultura não é entretenimento. É, também, entretenimento, mas é algo muito mais importante que isso. É um tipo de conhecimento, de preocupação que responde a certas perguntas que não podem encontrar resposta em outros campos. Essa é a síntese do livro.
O senhor acredita que seja um fenômeno planetário, algo que está acontecendo pela primeira vez na história?
Sim. Creio que é a primeira vez nessa dimensão. Sempre houve em todas as sociedades atividades de diversão e entretenimento. E é muito bom que haja essas atividades. Mas não se associavam, não se identificavam inteiramente com a cultura e, sobretudo, não a repensavam, não a substituíam. E esse é o fenômeno que eu creio que ocorre em nossos dias e sobre o que se refere meu ensaio.
O senhor diz que, no campo das artes visuais, especialmente depois de Marcel Duchamp e Andy Warhol, não há mais distinção entre o que é canônico e highbrow e o que não é. Tudo tem valor estético, dependendo de gosto. Por que isso representa um problema?
Porque depende do que você entende por arte. Se você acredita que a arte é uma diversão, não há nenhum problema. Você pode buscar coisas que são originais e banais, coisas que são sérias e que não são sérias. Mas se você acha que a arte tem a função muito mais importante que a de entreter e divertir, que é a de preocupar, de te abrir janelas para determinados problemas existenciais, políticos, culturais, filosóficos; então a confusão de valores, de não saber distinguir o que é belo, o que é feio, o que é autêntico, o que é postiço e artificial, sim, é bastante grave.
Essa é uma conclusão relacionada à cultura, à vida das pessoas, aos valores que regulam a conduta das pessoas. E num campo sobretudo isso é muito perigoso, que é o campo da vida pública, a vida cívica. O espírito crítico desaparece, se deprava, degenera. A liberdade e a democracia sofrem uma ameaça muito considerável. Isso para mim é consequência de confundir arte com lixo, a arte autêntica com a arte dos trapaceiros, dos palhaços.
Devem existir trapaceiros e devem existir palhaços para a diversão, mas se isso passa a substituir inteiramente a arte, então creio que há consequências que têm um efeito tremendamente negativo, sobretudo na vida cívica da sociedade.
Acredita, por exemplo, que a obra de John Cage, mencionado em seu livro, não tem valor artístico?
John Cage é um agitador. Ele tem essa vocação rupturística, de romper com a tradição, inovar. A atitude é simpática, mas o resultado foi fazer uma confusão maior. John Cage não é um criador. É um agitador, um demolidor. É uma espécie de figura muito interessante que existe em todo âmbito cultural. Alguém que questiona o existente, que quer substituir o existente com algo novo. Mas acho que, como no caso de Duchamp, John Cage destruiu muito e não construiu nada. O que deixou foi uma grande confusão de restos e de grosserias que não foram fertilizados. O que geraram foi uma espécie de desculpa para a indisciplina e também para a enganação. Essa é a minha crítica a John Cage.
É a mesma a Duchamp, que era uma pessoa genial, mas criou uma grande confusão. Restos e grosserias se justificam se provocam consequências que se podem chamar de criativas, produtivas. Mas não existem valores. Tudo vale no campo da arte? Mentira. Não vale tudo. Não é verdade. Há coisas que são originais e coisas que não são. Coisas profundas e coisas superficiais. E esse tipo de valores são os que determinavam a cultura. Hoje em dia, em nossa trivialidade cultural, é quase impossível fazer esse tipo de valoração e discriminação.
Na sua opinião, há um modo de voltar a ter essa distinção, ou, ainda,  acredita que a sociedade irá eventualmente recriar estes parâmetros?
Acredito. Mas não regressando ao passado, e sim olhando outra vez a cultura de acordo com a problemática da nossa época, com um conteúdo profundo, rico e criativo. E acho que o caminho é a educação. Mas a educação no sentido mais amplo da palavra, não somente nos colégios e nas universidades, mas nas famílias e nos meios de comunicação – o que é muito difícil quando a informação passou a ser também uma forma de diversão, que passou a ser o objetivo primordial das pessoas.
Sendo assim, muito dificilmente os meios de comunicação podem contribuir para resgatar a necessidade de certos valores mais ou menos estáveis e permanentes. Esse fenômeno, todavia, é um processo. E é preciso haver autênticos criadores, pensadores e escritores. Mas o que quero assinalar é que a confusão cresce mais rapidamente que a defesa da autenticidade. E é um fenômeno pela primeira vez planetário. Vê-se nos países desenvolvidos, subdesenvolvidos, no Ocidente, na Ásia, na África. É uma globalização irreversível.
A internet é outro exemplo onde não há distinção entre alta e baixa cultura. Contudo, seu surgimento democratizou o acesso à cultura mais do que qualquer outro fato, dando aos indivíduos uma autonomia e liberdade de que não desfrutavam antes. O que pensa disso?
A internet democratizou a informação, mas não a cultura. Foi uma grande revolução, muito positiva, do nosso tempo. Mas essa informação, se não há uma cultura que discrimine, pode também naturalizar completamente a informação, porque o excesso de informação pode ser um excesso de confusão. Por isso a cultura é muito importante, pois permite distinguir o que é relevante do que não é relevante.
O senhor utiliza a internet?
Sim… quando não tenho mais remédio.
Embora best-sellers como o recente 50 tons de cinza não possuam valor entre críticos, intelectuais e a academia, não podemos ignorar o fato de que cativam leitores que possivelmente não estariam lendo nada. O senhor reconhece o valor da dita baixa cultura, ou a rejeita completamente?
Sempre houve literatura popular, para entretenimento. E é bom que haja. O que é terrível é quando isso passa a substituir o que era tradicionalmente a verdadeira literatura. E essa é uma característica contemporânea. E por isso os leitores leem o quê? Não leem Proust. Não leem Kafka. Não leem Joyce. Não leem Guimarães Rosa (sou um grande admirador de Guimarães Rosa). Mas se aquilo de que você gosta são os best-sellers, já não pode ler Guimarães Rosa porque está sem condições de fazer o esforço intelectual para poder ler Grande sertão: Veredas. Impossível.


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