Eu fico triste porque tínhamos um nome e parece que logo não teremos mais. Nós mesmas escolhemos esse nome para nos dar - "Lésbicas" veio das teorias lesbicas, corajosamente independentes das mulheres heterossexuais e do heterofeminismo, e independente também dos homens gays. Nossas teorias foram criadas por meio de uma dura quebra de silêncio, quando uma certa categoria do sexo feminino, com vivência social comum, se reuniu e se reconheceu, decidindo ousar criar um nome próprio. O movimento lésbico autônomo investigou em detalhes as características específicas da opressão vivida pela categoria. O nome "lésbica" veio da luta solitária e estrondosa dessa categoria, delas e de mais ninguém.
Foi então que teorias externas à nossa, criadas por homens gays, pegaram nosso nome e disseram que nao cabe mais a nós decidir o significado do nome que nós mesmas nos demos. "Lésbica" se referia ao sentido político que a sociedade enxergava nas práticas lésbicas, e no sentido político que nós mesmas vimos no amor lésbico: resistência. Tais características eram comuns a todas nós: recusa do falocentrismo, recusa do machocentrismo, amor a uma outra coisa, amor e carinho pelos nossos corpos. O feminismo heterossexual nunca tentou esconder seu ódio a lésbicas e preferência por homens gays (a pauta é sempre homofobia, nunca lesbofobia; chamam homens gays a falar em vez de sapatonas). Assim, não surpreende que elas tenham preferido adotar teorias gays a teorias lesbicas. De repente feministas heterossexuais e movimento de homens gays começaram a pressionar as lésbicas que militavam no heterofeminismo e no lgbt a recusar sua história, a recusar nossas teorias, a recusar nossas vivências, nossas próprias memórias.
E, pressionadas por meio de força psicológica e frequentemente física, os movimentos não-exclusivamente-lesbicos fizeram lésbicas desistirem de outras lésbicas, desistirem da confiança no que sentiam desde adolescentes e, com isso, elas passam a brigar com outras sapatonas - as que não abrissem mão de suas próprias memórias. Os movimentos macho-identificados trataram de esconder a memória do movimento lésbico, traduzindo e tornando conhecidas as teorias europeias masculinas, mas nunca as teorias lésbicas. Agora que já não podem mais esconder, tratam de demonizar nossas teorias. Lésbicas que não trabalham para o falocentrismo não têm valor. Lésbicas que lutam por lésbicas e portanto contra o falocentrismo não têm valor social. Ou melhor, têm sim, mas é um valor revolucionário que precisa ser contido, roubado, esvaziado de sentido e finalmente estuprado.
Aquelas que estão contra o falocentrismo estão perdendo o nome porque os movimentos não-exclusivamente lesbicos transformaram o nome que inventamos em outra coisa: não temos mais direito a ele, não temos direito a nome. Poderíamos criar um novo, para nossa especificidade? Mas o nome que inventamos já era específico, bem definido, e mesmo assim a definição que demos foi apenas amassada e jogada na lixeira, e nossa própria criação nos foi roubada. Não tem sentido pensar que aconteceria diferente, se criássemos um nome novo.
É egoísmo nos nomearmos: pior, é perigoso para o falocentrismo e para todos os colaboradores e colaboradoras dele. Nós temos direito ao nosso nome, direito de defender o significado dele, tomarmos as rédeas de dizer o que é parte da nossa opressão e o que não é, o que é lesbiandade e o que não é. Também temos direito de visibilizarmos o que amamos, em vez de precisarmos novamente sussurrar isso, envergonhadas de nós mesmas, entre sapas - enquanto gritamos junto do heterofeminismo e do LGBT o que eles nos forçam a gritar. Ser lésbica sempre foi um lugar social, muito antes de se tornar uma identidade, e virou identidade somente como esforço NOSSO, de fortalecer nossa sobrevivência nesse lugar onde estupro corretivo é a lei.
Mas mesmo que roubem esse nome, e o próximo, e nos expulsem de todos os nomes que usarmos, mesmo sem nome ainda teremos um lugar social dedicado apenas e exclusivamente a nós. Um lugar ao qual ninguém passa a ter acesso por conta de um nome, e ninguém deixa de fazer parte apenas mudando nomes ou inventando teorias. Ceder meu nome não cede o lugar social que nos foi imposto e só a nós. Esse lugar me foi imposto pela sociedade patriarcal e falocêntrica devido à minha recusa, porque fui treinada desde cedo para engravidar (e engravidar tem que ser "à moda antiga", "do jeito tradicional"), e neguei tudo isso. Parem com a política das palavras, vamos fazer política na materialidade: uma política de e para lésbicas, sem a invasão de movimentos falocêntricos.
Precisamos saber o que a história das nossas próprias teorias têm a dizer sobre nós, sobre o que sofremos, sobre como podemos militar, quais as dificuldades. Antes de ler qualquer coisa, lésbicas precisam ler lésbicas que escrevem para lésbicas.
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