quarta-feira, 30 de abril de 2014
[Postagem do Dia] O culpado é o estuprador, sem conjunção adversativa.
Fonte |
É
uma questão simples de lógica: quem estupra é o criminoso, o estuprado é a
vítima. Há mesmo que se questionar isso? O estuprador dá apenas duas opções
para a sua presa: ou você cede ou você morre. Trata-a como um bicho em abate,
ali é o seu objeto de prazer, o seu animal de caça. Prende, agride e faz dela o
que bem entende, almejando satisfazer todos os seus desejos doentios. A sociedade
pegou esses dois personagens e distorceu toda uma noção de culpado e vítima. Aos
seus olhos, o agressor é refém de uma mulher que incorpora a “Eva”, seduzindo e
provocando o seu próprio mal, como uma consequência inevitável.
Por
muito tempo a visão que foi criada da mulher vagava em dois polos distantes, em
um primeiro momento deveria se enquadrar na imagem da “Virgem, Maria”, entrando
em um conflito intenso no momento em que adentrava na maternidade, deixando de
ser inocente aos olhos críticos do meio em que estava inserida, para ser a “Eva”,
perversa, histérica e masoquista:
“O
Cristianismo, a partir da figura de Eva, instituiu uma relação entre
feminilidade, o sexo e o pecado – as mulheres como seres traiçoeiros que
atiçavam a luxúria e o ciúme, lançando os homens uns contra os outros. Consideradas
culpadas pela “queda” de Eva, no paraíso, corporificando a corrupção associada
à carne, era tidas como fracas e suscetíveis” (Pensamento de RAMINELLI, nas
palavras da Dra. Maria da Luz Olegário em sua tese de doutorado).
O
interessante é observar que essa visão que foi formado a séculos atrás, ainda
que com outra roupagem perdura até os dias atuais, atualmente esse discurso se
encobre por meio de outras feitas, a dualidade feminina ainda é colocada como
causador de diversas práticas que a agridem, as pessoas desejam guiar a forma
do outro, culpabilizam para poder manter o controle dos seus comportamentos,
vestimentas, modo de falar e de agir, tornando-se “estuprável” aos conceitos
culturais.
“Pela lógica do estupro, a mulher é sempre 'caça', 'presa'. Pela lógica do estupro pensa-se mais no 'erro' da vítima, do
que no 'erro' do criminoso. É como se a vítima fosse culpada por não ter
escapado, por não ter corrido mais rápido, por não ter desaparecido antes. Ou
por ter 'parecido' mulher demais. No Brasil e em muitos outros países, como a
Índia – para dar o exemplo do país mais estuprador do mundo – a lógica do
estupro faz com que mulheres precisem camuflar-se para sobreviver. Mas mesmo
assim, bem protegidas, elas serão estupradas.” (Márcia Tiburi em "Lógica do Estupro")
O
que acaba sendo irônico nessa matemática óbvia, é que a sociedade conseguiu inverter
os papeis, como um autor que guia a sua novela de acordo com o desejo do
público, porém estamos lidando aqui com a vida real, e a realidade neste caso
dói, sangra e deixa sequelas que repercute por toda a história daquele que está
sendo agredido.
terça-feira, 29 de abril de 2014
[Postagem do Dia] Racismo x Banana
Fonte |
A
sociedade brasileira, ultimamente, vem entrando numa onda pesada de modismo
virtual, tudo que é moda é bonito e louvável, tira a foto e posta no instagram
e está tudo certo, “estou fazendo minha parte”. Hoje é o dia do índio, faz um
texto de duas linhas com um pouco de humor e protesto e joga no facebook. Hoje é
o dia da mulher, vamos lá nas redes sociais protestar porque a classe é
oprimida e recebe pouco. E tudo acaba virando moda por um dia e no outro
ninguém mais lembra. O episódio que ocorreu no jogo de futebol, no qual jogaram
uma banana para o Daniel Alves, sugerindo uma postura racista, o jogador realmente
teve uma reação louvável, comendo a banana e fazendo pouco caso da situação,
mas esse ato foi suficiente para gerar uma onda de imagens bizarras em forma de
“protesto” na internet, cada um querendo mostrar que “somos todos macacos”. Independentemente
das nossas origens, das nossas descendências, ofensas à história, à ciência ou
à religião, a raiz do problema não se encontra exatamente nesse desconhecimento
da sociedade, mas sim na ignorância para lidar com os problemas sociais. Será que
daqui a uma semana alguém vai ao menos se lembrar porque postou uma foto
comendo uma banana? O mesmo ocorreu com as plaquinhas “eu não mereço ser
estuprada” e o mesmo vai ocorrer futuramente quando outro episódio lamentável
ocorrer. O brasileiro está pegando as mazelas que eles mesmos estão produzindo
e transformando isso em autopromoção para receber curtidas e comentários. A verdade
é que independentemente do embasamento histórico-científico-religioso ou das
disputas que se formaram porque ninguém está levantando a bandeira para a
classe LGBTTI ou outras lutas sociais, deveríamos erguer luta diária por todas
as causas. Os Direitos Humanos está cada vez mais marginalizado, os discursos
que os rodeia estão tentando reduzir a sua importância a pó, quando na verdade
todos deveriam fazer acontecer uma sociedade mais justa e humanitária,
independente dos embates particulares por gênero, cor, classe social,
orientação sexual ou qualquer outro tipo de manifestação que foge do que é “ser
normal”.
Fonte |
segunda-feira, 28 de abril de 2014
A família da Globo de Manoel Carlos
Por César Santos
O conceito família vai além do grau de parentesco entre pessoas que vivem na mesma casa formando um lar. Deve ser compreendida, como de fato é, a célula vital da sociedade, até por sua precedência à sociedade e ao Estado. Dela os povos se fortalecem, a partir de conceitos e princípios como respeito, caráter e amor.
Nesse contexto, a instituição família não pode ser emparedada por interesses outros, muito menos ter o núcleo mais sagrado agredido por qualquer apelo menor.
Em Familiaris Consortio (Exortação Apostólica, 22 de novembro de 1981), o Papa João Paulo II escreveu: “A legitimação da família está fundada na própria natureza humana e não no reconhecimento da lei civil. Ela antecede ao próprio Estado, por isto ela não existe em função do Estado, antes o contrário a sociedade e o Estado é que existem para a família.” Em outras palavras, a instituição é inviolável. Logo, seus conceitos devem ser preservados e respeitados.
Pois bem.
Observando a trama “Em Família”, na Rede Globo, o autor Manoel Carlos – consagrado por explorar em suas novelas temas importantes e tabus que a sociedade se negava a debater – parece ter um conceito bem diferente de Família, transformando o núcleo em verdadeira zorra de indecência.
Veja: a Família escrita por Maneco, que centraliza a trama das nove horas, tem uma adolescente (Luíza) que está traindo o namorado (André) com um homem casado (Laerte), que no passado foi o amor de sua mãe (Helena) e tentou matar o seu pai (Virgílio) deixando para sempre uma cicatriz em seu rosto.
Segue: O mesmo núcleo familiar tem um casal (Clara e Cadu) que está em via de separação (vai deixar o único filho sem lar) porque a mulher está querendo trair o esposo com outra mulher, a fotógrafa (Marina), e o esposo Cadu em via de paquera com o amor do seu cunhado (Felipe, irmão de Clara), a médica Sílvia.
Ou seja, a novela sugere um ambiente familiar à base de traição, divórcio, filho sem pai ou mãe e a completa falta de respeito entre os seus membros.
Essa é a família que a Globo mostra todas as noites para a sociedade brasileira. E não cabe a justificativa de que esses problemas estão presentes no cotidiano das pessoas.
Penso que, até por isso, a Globo deveria usar o seu reconhecido poder de influência no comportamento da sociedade (jeito de vestir, corte de cabelo, moda e costumes) para fortalecer a instituição Família, enaltecendo os conceitos, nunca diminuindo, por mais que a realidade revele casos e comportamentos outros, porém, pontuais.
Pedro Gabriel, o Antônio.
“Antônio é personagem de um romance que ainda vai ser escrito. Frequentador assíduo dos bares, ele despeja seus comentários sobre a vida, suas alegrias e tristezas, em frases e desenhos rabiscados em guardanapos em grandes doses de irreverência e pitadas de poesia”.
"Antônio sou eu, com um pouquinho mais de coragem para dizer as coisas"
Pedro Gabriel em Mossoró nesta última sexta-feira (25/04) |
Na
última sexta-feira (25/04/2014), o escritor, poeta e publicitário Pedro Gabriel
esteve na cidade de Mossoró-RN, para um bate-papo descontraído e uma sessão de
autógrafos do seu livro “Eu me chamo Antônio”, o evento foi um grande sucesso, e
desde já parabenizo Larissa Gabrielle Araújo, uma das organizadoras, que com
maestria conduziu mais um sucesso na sua carreira, desta vez como gerente de
Marketing no West Shopping Mossoró. Durante a conversa, Pedro iniciou
explicando como surgiu a ideia do guardanapo:
“Essa
ideia, na verdade, nasceu no final de 2012, em outubro mais precisamente, eu
tava voltando do meu trabalho, na época que eu trabalhava ainda em uma agência
de conteúdo online, eu sou formado em publicidade, eu lembro que era um dia
muito chuvoso, e aí no Rio de Janeiro um trajeto que faço em duas horas,
acabariam em cinco de ônibus e eu tava bem estressado, e aí quando eu cheguei,
desci do ônibus e aí eu parei num bar e pedi um chopp e não tinha papel pra
anotar, minha cabeça não para de pensar, de... de..., as vezes as ideias brotam
do nada e sempre tenho um caderno para anotar e nesse dia não tinha esse
caderno, único papel que tinha era uns guardanapos no bar, no balcão do bar,
então eu desenhei ali as primeiras ideias, comecei a rabiscar e aí eu gostei do
resultado e resolvi fotografar, e esse foi o primeiro guardanapo que eu criei”
Ele
gostou tanto da ideia que acabou jogando na rede social “tumblr” as suas obras,
que com pouco tempo já ganhou uma grande repercussão, logo depois fez a sua
página no facebook e mais recentemente no instagram. E, atualmente, a partir da
editora Intrinseca publicou o seu livro, e toda semana (nas terças) escreve em
uma coluna no site.
Há
pouco mais de um ano, o blog fez a sua primeira postagem a respeito do “eu me
chamo antônio”, na época a página do facebook tinha apenas 75 mil curtidas,
hoje ultrapassando a faixa de 700 mil. Nesta época, o Pedro Gabriel, seu criador, ainda
era uma figura que permanecia longe dos holofotes, para ele o que importa nunca
foi o seu rosto, não é de relevância alguma se ele é homem ou mulher, branco ou preto, magro
ou gordo, o seu intuito desde sempre foi de mostrar a sua arte de forma
verdadeira, sincera e deste modo poder tocar as pessoas, enquanto for assim ele permanecerá produzindo. E, assim sendo, conseguiu
invadir e cativar todo o Brasil, independente de gênero, idade ou classe social. Antônio é o personagem de todas as tribos, pois ele fala por todos, diante das suas dores, amores e dissabores.
O
autor tem influências literárias como Leminski e Manuel Bandeira, na música é
apaixonado por Cartola, e deixa transparecer em suas obras todos esses
alicerces artísticos. E sabe o quão difícil são esses e tantos outros artistas
atingirem do mais jovem leitor ao de mais idade, estamos em uma época de
constante mudança, de momentos, de dias turbulentos, o mercado acelerou a vida
do homem contemporâneo, mas a arte de Pedro se encaixa perfeitamente nessa
realidade, ele não apenas escreve lindas poesias, elas são acompanhadas de
pinturas e sonoridade o que a deixa muito mais atrativa diante do cansaço
diário e o pouco tempo para a leitura, ou até mesmo o desinteresse, não precisa
ser amante da poesia para se apaixonar pelos guardanapos de Pedro Gabriel, eles
nos encantam, provocando o amor à primeira lida.
Redes sociais do "Eu me chamo Antônio":
Reportagem especial do Jornal de Fato: Revista de Domingo
Primeira postagem do Acompanha Café? sobre: Eu me chamo Antônio
Para os que desejam ter acesso ao áudio do bate-papo é só baixar na minha página do 4shared: Link.
Judith Butler: Feminismo como provocação
Por Marcia Tiburi
É bem possível que aquele que se disponha a conhecer a obra de Judith Butler a receba, em um primeiro momento, como uma provocação. Os livros publicados até agora pela filósofa norte-americana, nascida em 1956, não são fáceis de ler. De um lado, a espontaneidade irônica com que ela escreve não é comum no meio do debate acadêmico e intelectual; de outro, os conteúdos de seu pensamento são os mais desafiadores, os mais sagrados e os mais caros para toda uma tradição. Verdade que o tema central da obra de Butler é o “gênero”, mas, olhando de perto, gênero não é um problema do campo da “sexualidade”, é um problema político e, mais perigosamente, um problema ontológico. Isso quer dizer que o seu feminismo é, de todos os que surgiram até agora, o que levou mais a sério as potencialidades críticas do próprio feminismo. Butler não tem medo do feminismo, tampouco de sua crítica ou de seus efeitos teóricos e práticos.
Nas mãos da pensadora, o feminismo é, sem dúvida, uma luta pelos direitos das mulheres, como sempre foi, mas é também uma desmontagem do que chamamos de “mulheres”. Por fim, dos homens e, no extremo, do gênero como um todo. A questão de gênero não será apenas um problema do ativismo, o que já seria demais para o pensamento da dominação masculinista, mas também, e mais gravemente, um questionamento da identidade e do princípio que rege sua lógica.
A riqueza da obra de Butler consiste justamente no caráter provocativo que tem movido uma quantidade considerável de estudiosos pelo mundo afora. Esse caráter é, ao mesmo tempo, uma maneira de traduzir aquilo que entenderemos a partir de um dos seus conceitos mais importantes. Trata-se da questão da “performatividade”. Assim, a primeira coisa que devemos saber para entender do que Judith Butler está falando é que as palavras provocam ações e atuações. Que as palavras agem. Que todas as teorias existentes causam algo em sujeitos concretos. E que a teoria da própria Butler faz o mesmo, mas não esconde que o faz. Nesse sentido, ela sabe que está provocando. E quem ela provoca? O poder, enquanto este se confunde com a “verdade” sobre algo como identidade sexual de gênero.
A filósofa norte-americana, que também é judia e lésbica, vem, portanto, provocando uma mudança radical no cenário dos estudos de gênero, e no feminismo de um modo geral. Sem deixar de ser feminista, Butler é uma teórica crítica que critica justamente certos aspectos do feminismo ao qual se filia. Para quem pensa que as feministas não podem ser críticas do feminismo, essa posição pode parecer uma contradição, o que, na verdade, apenas demonstra que a questão da crítica imanente do feminismo – aquela crítica que supera seu objeto ao mesmo tempo que guarda algo dele – ainda não foi bem compreendida. O ponto central da crítica de Butler reside no fato de que o feminismo que ainda trabalha com o “binarismo” de gênero – com a ideia de que “homem” e “mulher”, “masculino” e “feminino” são a verdade da sexualidade – incorre na reprodução daquilo mesmo que quer criticar. Neste sentido, o feminismo da filósofa apenas pode ser pensado em seu sentido expandido. Não como uma defesa de algo como “feminino”, nem como uma simples defesa das “mulheres” cuja identidade de gênero ela questionará. O feminismo de Butler é a defesa de uma desmontagem de todo tipo de identidade de gênero que oprime as singularidades humanas que não se encaixam, que não são “adequadas” ou “corretas” no cenário da bipolaridade no qual acostumamo-nos a entender as relações entre pessoas concretas. É justamente a adequação que estará na mira de Butler, enquanto todo o esforço da filosofia tradicional, que pesa sobre a questão do sexo e do gênero, se deu na direção de uma supressão das singularidades.
Performatividade do gênero
Para sustentar sua crítica, Butler precisa, portanto, desmontar algumas ideias, e a principal delas será a de gênero. Quando, nos anos 1960, se começou a falar em gênero, o termo era usado para se referir ao “papel” social e cultural que se dispunha sobre o sexo, como que para explicá-lo. O sexo era ainda tomado como natural no sentido de ser um destino que acabaria por fundar o gênero. O sexo era a verdade da natureza, como muitos ainda pensam no âmbito do senso comum. A ideia de gênero veio dar conta do caráter produzido da sexualidade. O essencialismo com que se costumava ver o sexo já havia sido posto em questão quando Beauvoir disse, em O segundo sexo, que ninguém nasce mulher, mas se torna mulher. Foucault, igualmente importante para Judith Butler, mostrou, em sua História da sexualidade, que até mesmo o sexo, tanto quanto a sexualidade, foi produzido por um tipo de discurso. Nem sexualidade, nem sexo seriam verdades essenciais, mas apenas construções históricas. Tratar o histórico como natural sempre é estratégia do poder. O esforço da teoria de Butler, neste contexto, foi o da desnaturalização como uma desmistificação do sexo e do gênero, que seriam, em momentos diferentes, tratados como destino. A partir de então, eles seriam construções discursivas entre as quais não haveria diferença. A ideia fundamental da pensadora é a de que o discurso habita o corpo e que, de certo modo, faz esse corpo, confunde-se com ele. Por isso, a diferença entre sexo e gênero não seria mais o caminho para a luta feminista. Mas o respeito aos corpos cuja liberdade depende, em última instância, de serem livres do discurso que os constitui. Ou de simplesmente poderem existir em um mundo que os nega, e que os nega pelo discurso que não é, de modo algum, apenas uma fala qualquer.
O que ela chama de performatividade do gênero, partindo de aspectos da teoria da linguagem de J. L. Austin, famoso autor da teoria dos atos de fala, diz respeito ao caráter ativo da relação entre o sujeito e a sociedade, enquanto esta última é organizada dentro de normas e de leis que funcionam pelo discurso. É impossível, neste sentido, ser “generificado”, ou seja, sofrer os efeitos do gênero fora do discurso. Pois não há gênero sem discurso, e o discurso é, justamente, o que infunde, como um dispositivo, aquilo que é o gênero. Se antes os corpos eram vítimas da ciência da anatomia que legislava sobre eles, agora passaram a ser vítima da generificação como uma espécie de segunda natureza que se diz como verdade quanto ao “gênero”.
Por meio das análises de Butler, podemos empreender a reflexão sobre o que é ser homem e ser mulher, hétero ou homossexual, desde que se torne possível questionar não apenas as identidades “homem” e “mulher”, ou outras, mas também o próprio sentido do verbo “ser” quando se diz que alguém “é” isso ou aquilo. No momento em que alguém se identifica ou se deixa hétero-identificar, esse alguém está se inscrevendo apenas em um cenário ontológico, que é promovido pelo discurso e toda a sua materialidade no âmbito da ação e da vida. Mas isso quer dizer também que tudo poderia ser diferente em um cenário democrático, em que as pessoas concretas pudessem se expressar livremente, também por meio de seus corpos, para além dos discursos que os controlam sob a produção daquilo que Butler chama de “efeitos ontológicos”. Nesse sentido, em sua prática teórica, ela agirá fazendo “abusos” ontológicos contra o status quo. A filosofia é, em sua visão, a chance de produzir um contraimaginário ao privilégio ontológico de uns – como se um modo de existir fosse o único correto – contra o simplesmente ser dos outros, que, na contramão da “norma” ontológica, são tratados como aberração ou anomalia. A prática de enviar crianças e jovens ao psiquiatra ou ao padre para correção, por exemplo, é um mecanismo de exclusão. Ao mesmo tempo, aquele que simplesmente assume uma identidade contra a exclusão corre o risco de ficar preso a ela. Um dos problemas que a filosofia de Butler nos lega se refere justamente a essa identidade quando sabemos que ela serve, em certos momentos, para libertar, como, por exemplo, no momento em que alguém se arma mulher, no âmbito do feminismo, na luta por direitos, mas também para excluir esse mesmo sujeito, colocando-o de volta num lugar de opressão e escravidão onde o próprio feminismo prometia emancipar seu sujeito. Neste sentido, podemos dizer que o feminismo da filósofa é negativo e, ainda assim, dialético.
O corpo abjeto
Portanto, uma das preocupações centrais do pensamento teórico-prático de Butler se refere ao corpo sexuado enquanto esse corpo é tornado “abjeto”. A categoria do abjeto vem referir-se à existência corporal daqueles que não são encaixáveis na estrutura binária “homem-mulher”. Neste sentido, a teoria de Butler é, ao mesmo tempo, como deve ser qualquer teoria feminista, uma teoria engajada na defesa de um sujeito oprimido. A propósito, na contramão de Derrida, um dos pensadores que mais a influenciou, Butler acredita que é necessário continuar usando o conceito de “sujeito”, vendo nesta criticável categoria humanista a chance de colocar as categorias do humanismo contra ele mesmo. A crítica ao sujeito, promovida por muitos filósofos contemporâneos, diz respeito à ideia de filosofia da consciência de que existe uma consciência autônoma e livre chamada de sujeito. “Sujeito” é certamente uma categoria insuficiente, mas é justamente ela que é negada pelo humanismo aos corpos abjetos, aqueles que seriam, no contexto das definições, menos que humanos. A crítica de Butler ao humanismo refere-se a essa classificação por exclusão.
Neste caso, a diferença de Butler com o feminismo que defende, sobretudo, as “mulheres” é que ela defende, além das mulheres, todos aqueles que não se enquadram nos discursos que invocam a “natureza” fixa do corpo. Neste sentido, ela defende as potencialidades dos corpos fora das teorias ontológicas clássicas que sempre se pautam por uma ideia de natureza feminina ou masculina. E até mesmo de uma natureza homossexual. Mas a teoria da pensadora vai além da questão da sexualidade e bem pode ajudar a pensar o lugar de todos aqueles que não se encaixam no padrão do homem branco e europeu. Além dos transexuais, os judeus, os negros, os árabes e até mesmo os pobres entram no campo de suas preocupações como corpos que são considerados, pelo “poder”, como desimportantes, vidas que deveriam ser corrigidas ou que não mereceriam serem vividas. Aquele que ataca física ou simbolicamente um homossexual, uma travesti, um negro, uma prostituta, uma mulher sob uma burca, ou, ainda, uma mulher que não é feminina ou sensual (como se as pessoas estivessem obrigadas ao estereótipo) certamente em sua base um modo de pensar assegurado por essa visão de mundo compartilhada pelo patriarcado, pelo capitalismo, pelo poder em geral. A cultura, em todas as formas de discurso, do jurídico ao científico, e dos meios de comunicação, ajuda na produção do “abjeto” como um tipo de diferenciação na qual se confina o excluído. O excluído é produzido no discurso: seu lugar é o silêncio que, em termos sociais muito concretos, realiza-se na injustiça de não poder existir. Essa diferenciação precisa ser analisada e desmontada. Somente aí é que algo como a liberdade de existir como se é entrará em cena. Não apenas porque existem muitas pessoas fora das classificações, mas porque é preciso desmontar as classificações para dar lugar à expressão singular contra todo um campo da experiência silenciada e, assim, proibida de existir ou condenada à morte.
Os textos que compõem este dossiê centram-se na análise de alguns aspectos da obra de Judith Butler. Cada um, a sua maneira, aproxima-nos das reflexões da pensadora, que tem aberto caminhos de reflexão fundamental sobre a vida de nossos corpos “generificados”, identificados como mulheres e presos nas malhas daquilo mesmo que combatem. No texto de Guacira Louro, temos a chance de nos aproximar do olhar perturbador de Butler como pensadora da subversão; no texto de Joana Plaza podemos ver a conexão entre o “performativo”e a “vulnerabilidade” dos corpos à linguagem; Leticia Sabsay nos fará pensar nas “normas de gênero” e sua possibilidade de re-significação; por fim, Susana de Castro nos oferece uma leitura sobre Antígona, desde que Butler a leu de um ponto de vista queer. No todo, e em cada uma de suas partes, fica evidente o respeito das autoras e sua dívida para com uma filósofa que está abalando as estruturas do pensamento ocidental.
domingo, 27 de abril de 2014
[Postagem do Dia] O Gênero que somos e o Gênero que representamos
Até pouco tempo apenas uma coisa era
imutável quando tratávamos dessa temática: a configuração biológica sexual que
o sujeito nasce; podendo este ser do sexo homem, mulher ou intersexual
(possuidor dos dois sexos, tido atualmente como patologia, anomalia, sem
respaldo jurídico algum). Atualmente, vemos uma amplidão de possibilidades para
que a pessoa possa encontrar o encaixe do seu corpo para com a sua mente/personalidade,
o que não quer dizer que esse caminho a ser seguido será respaldado socialmente,
muito pelo contrário.
Desde sempre a forma como nos
comportamos (ou até mesmo traços alheios aos nossos desejos) em sociedade dita
o nível de interação que teremos com os demais sujeitos sociais. Por exemplo,
se decidirmos seguir pelo caminho das drogas, obviamente haverá uma espécie de
exclusão ao convívio, visto que não seríamos bem quistos. O mesmo ocorre com o
soro positivo, com o travesti, transexual e demais pessoas que apresentam
características distintas do que é “ser normal”. E essa identidade base na qual
hoje os demais terão como espelho, foi definido não de forma natural, mas sim
por meio de processos culturais, visto que ninguém nasce exatamente como o
esperado, é a sociedade que coloca uma moldura “perfeita”, repleta de
regramento, em cada sujeito e espera que o mesmo seja obedecido e difundido
para os demais.
Assim sendo, ao se tratar das mais diversas
configurações de gênero, saímos de conceitos, em primeira vista, simples quando
resumimos ao homem e à mulher, e partimos para uma complexidade de ramificações
ao tratar de diversas outras manifestações. Os (as) travestis, transgêneros e
transexuais, são os sujeitos mais amplamente divulgados dessa gama de
ramificações, objetos de estudo e alvos de preconceito. A sociedade acaba por
recriminar e colocar no rol das patologias sujeitos que nem ao menos
compreendem, será que alguém já se perguntou “O que é ser um (a) travesti?”, “como
se sente um (a) transgênero?”, “pelo que tá passando uma pessoa que não se
sente a vontade com o seu próprio corpo?”. Como julgar pessoas que nem ao menos
conhecemos simplesmente porque são diferentes do que nós desejamos?
Essas pessoas são humanas e desejam se
enquadrar socialmente como qualquer outra pessoa, mas antes disso desejam
sentir-se bem consigo mesmas, no momento em que um homem se veste de mulher,
coloca um salto, se maquia, é simplesmente porque dessa forma se sente a
vontade, é neste momento que consegue a plena interação da sua mente com o seu
corpo, a travesti não distorce os conceitos habituais de gênero como forma de
provocar a sociedade ou de se rebelar contra o tradicional, o faz simplesmente
para estar plenamente realizada com o seu corpo. O mesmo ocorre com o
transgênero, que se sente enclausurado em vestimentas e comportamentos de um
sexo que não condiz com a sua identificação de gênero. Por fim, o transexual,
que está preso em um corpo que sente não te pertencer. Jogar esses sujeitos na
marginalidade, ou dizer que se trata de uma patologia é uma ofensa a sua
dignidade, é usurpar a sua felicidade, prendê-lo a algo que só lhes faz mal.
Não é simples compreender as diversas
manifestações de gênero, que sempre surgiram, mas que atualmente estão
começando a sair da obscuridade, pelo contrário, é complexo, é de difícil
aceitação. Hoje, estes sujeitos estão em todos os lugares, e mesmo que muitas
vezes estejam representando exatamente o que a sociedade espera, internamente
eles se sentem outras pessoas. Em seus íntimos desejam estar em cima de saltos,
com longos cabelos, maquiados, com minissaias. Ou desejam usar paletó e
gravata, sapato, bermuda. Bem como, fazer cirurgia para ter a sua configuração
biológica sexual em consonância com o seu comportamento, o seu entendimento do
que é ser homem e ser mulher, almejando, destarte, se sentir bem consigo mesmo.
Essas pessoas não desejam matar,
roubar ou influenciar seus filhos a serem como eles. Além de sofrer bullyng, as
mais diversas formas de preconceito, muitas vezes até violência, a sua
principal dor é de sentir que pertence a lugar algum, sofrem pela exclusão
social, pelo impedimento de interação com as pessoas. No fim das contas, são
mais humanos do que aqueles que estão plenamente encaixados nas certezas sociais.
Judith
Butler, sobre violência de gênero:
*Esse texto foi publicado no jornal impresso do dia 27/04/2014, página 2, do Jornal de Fato de Mossoró-RN, disponível também em: edição 585
sexta-feira, 25 de abril de 2014
Dia Internacional Contra Alienação Parental
Nesta sexta-feira, 25, é comemorado o Dia Internacional contra a Alienação Parental, que foi sancionado a partir da Lei 12.318, em vigor desde agosto de 2010. A lei implantou medidas como o acompanhamento psicológico, a aplicação de multa e até a perda da convivência familiar de crianças, a pais que estiverem alienando os filhos.
Com origens no conceito de Síndrome de Alienação Parental (SAP), o termo proposto pelo psiquiatra estadunidense Richard Gardner em 1985, pode ser caracterizado como a situação em que um dos genitores impulsiona o rompimento de laços afetivos da criança com o outro, criando sentimentos de ansiedade e temor nos filhos em relação ao outro genitor.
“Alienação é um conceito legal, enquanto que a síndrome é um conceito clínico. A síndrome consiste em um conjunto de sintomas que sugerem a ocorrência da alienação”, explica o professor e psicólogo Jorge Trindade. Para ele, as áreas de Direito e Psicologia nesta situação se entrelaçam, pois desfrutam do mesmo objetivo, que é o estudo do ser humano e seus conflitos. Acesse outras informações sobre a alienação parental aqui.
A alienação parental pode ser explicada, ainda, como uma interferência destrutiva na formação psicológica da criança ou adolescente induzida por um dos genitores, avós ou pessoas que tenham convivência com criança pertencente a uma relação conflituosa. Em casos de não assimilação do divórcio por parte de algum dos cônjuges, se desenvolve um processo de desmoralização e descrédito do ex-cônjuge e nesta fase os filhos se tornam instrumento de agressividade direcionada ao parceiro. As situações mais frequentes relacionadas à alienação parental estão associadas aos casos em que a ruptura da vida conjugal gera em um dos genitores uma tendência bastante rancorosa.
De acordo com a advogada e membro do IBDFAM, Ana Gerbase, o mais aconselhável em situações de alienação parental em um primeiro momento, seria que as partes se organizassem emocionalmente para tentar entender seus sentimentos e reais desejos. Já os profissionais que atuam na área, destaca a advogada, devem orientar e esclarecer sobre os direitos e deveres das partes relacionadas ao processo.
“Neste cenário, quando os restos de amor chegam aos bancos dos tribunais com pedidos de vingança , ninguém é poupado. Crianças e adolescentes são utilizados pelos pais que os vêem apenas como uma moeda de troca ou mero instrumento de punição ao outro”, explica Ana Gerbase no prefácio do livro Perdas Irreparáveis – Alienação Parental e Falsas Acusações de Abuso Sexual a escritora Andreia Calçada.
A advogada comenta, ainda, que a lei contra a alienação parental somente é aplicada quando o judiciário tem conhecimento da prática, ou seja, os juízes dependem de estudos elaborados por equipe técnica, para aplicar as medidas previstas na lei. “A própria lei, em seu art. 4, fala que, diante de indícios da prática, o juiz pode, a pedido, ou de oficio, aplicar as medidas provisórias para preservar a integridade da criança. Aguardar o estudo, muitas vezes leva um tempo capaz de causar grandes danos e muitas injustiças”, afirma.
Encontros marcam o dia de conscientização
O Instituto de Direito de Família (IBDFAM) do estado do Maranhão e a Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) promovem nesta sexta-feira, a partir das 17h, no auditório da UNDB, o 1° Seminário Interdisciplinar sobre Alienação Parental. O evento integra o calendário de atividades em comemoração à Semana Nacional de Conscientização da Alienação Parental e contará com a presença da psicanalista e diretora de relações interdisciplinares do IBDFAM, Giselle Groeninga, da advogada e presidente do IBDFAM/MA, Bruna Barbieri Waquim e do desembargador e vice - presidente do IBDFAM/MA, Lourival Serejo.
Ainda com o objetivo de levar esclarecimentos sobre a alienação parental, a Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais da BPW em Cuiabá e o IBDFAM/MT, realizam nesta data a palestra “Alienação Parental”, com a juíza Angela Regina Gimenez, presidente do IBDFAM/MT. O evento acontecerá às 19h30, no auditório do Conselho Regional de Odontologia (CRO/MT).
Hoje, 25, o Instituto Proteger realiza o curso "Alienação Parental no Direito Internacional", para comemorar a data contra a prática de alienação parental. A atividade foi criada em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB/RS), por meio da Escola Superior de Advocacia, e da Comissão do Jovem Advogado e com o apoio do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
[Postagem do Dia] "Heterossexualidade Compulsória"
Adrienne Rich |
Esse
termo foi cunhado pela feminista Adrienne Rich. A poetisa, professora e
escritora norte-americana, que viveu entre 1929 e 2012 foi ativista em prol dos
marginalizados e oprimidos, sendo ela assumidamente lésbica em um sociedade
fadada ao preconceito, até muito mais do que os dias atuais, enquanto atuante
do solidarismo humano foi profundamente crítica dos valores dominantes, foi
nesse contexto que surgiu o que ela denominou de “heterossexualidade
compulsória”. Nada mais é do que o fundamento do sistema patriarcal que vai
muito além dos parâmetros da sexualidade. Rich defendia que a sociedade impõe
de forma compulsória modos de viver, delimita formas de atuação, de se vestir,
de se comportar, tudo baseado na condição binária e hierárquica do sujeito, que
tem como função básica e secular de mera reprodução. De acordo com esse
sistema, as mulheres são definidas por seus corpos, seja ele para seduzir ou
para procriar, tendo a figura do homem como indispensável para a sua
manifestação. É desse modo que Adrienne durante sua vida veio a combater os mais
diversos discursos machistas e próprios de uma sociedade com bases determinantes
de sexualidade e gênero. Fundamentando, destarte, em suas obras uma condição social diversa da
imposta, abrindo espaços para debates e rupturas do sistema vigente, deixando
de lado um estado determinado pela vertente do binário como verdade universal e
base de conceitos determinantes.
quinta-feira, 24 de abril de 2014
Um breve panorama
Casais gays quebram barreiras nas áreas jurídica e administrativa
Portal Previdência Total
Nos últimos anos, os casais homossexuais vêm conseguindo quebrar barreiras jurídicas e administrativas. O reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em maio de 2011, foi fundamental para que os casais do mesmo sexo conquistassem os mesmos direitos e deveres concedidos a casais heterossexuais que convivem em união estável.
Na Previdência Social, porém, as barreiras do preconceito já haviam sido superadas desde o ano de 2000. Isso porque o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) já vinha concedendo o benefício de pensão por morte a companheiro do mesmo sexo, desde que comprovada a vida em comum, como entidade familiar, por meio de decisões judiciais.
A partir de 2010, uma portaria do Ministério da Previdência Social determinou que o companheiro ou a companheira do mesmo sexo de segurado inscrito no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) passasse a integrar o rol dos dependentes. E, desde que comprovada a vida em comum, concorresse, para fins de pensão por morte e de auxílio-reclusão, assim como os demais dependentes.
Os dependentes homossexuais passaram, então, a ter o direito de requisitar ao INSS benefícios como pensão por morte e auxílio-reclusão. Um levantamento feito pelo Instituto em novembro de 2011 registrou 1.822 pensões ativas para dependentes do mesmo sexo. A maior parte dos pensionistas, de acordo com os dados, é de homossexuais do sexo masculino: 1.224, contra 598 do sexo feminino. São Paulo é o Estado com maior número de pensionistas (504). Em seguida vem o Rio de Janeiro, com 491 pensões para dependentes homossexuais.
A advogada da área previdenciária do escritório Innocenti Advogados Associados e colaboradora do Portal Previdência Total, Beatriz Rodrigues Bezerra, explica que antes dessas decisões e normas, a união estável somente era reconhecida entre homens e mulheres, de acordo com o art. 226 da Constituição Federal, e o art. 1.723 do Código Civil.
“Infelizmente, alguns postos do INSS negam o pedido do benefício por não ficar comprovada a qualidade de dependente, dado que não consideram casais de pessoas de mesmo sexo enquadrados em união estável. Estes casais poderão procurar o Poder Judiciário por meio do Juizado Especial Federal de sua região. A chance de obter sucesso é muito grande. E, ficando comprovado motivo injustificável no indeferimento do pedido, é possível combinar o pedido da concessão do benefício previdenciário com dano moral, demonstrado o constrangimento ocorrido”.
Para Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e presidente da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB, a comprovação da união é o documento mais importante para a comprovação do direito previdenciário. “O importante é formalizar a união. Isso é o mais significativo: fazer uma escritura (união estável) ou casar. O que dá segurança é o casamento. Porque, às vezes, quando a união é estável, tanto heterossexual como homossexual, há a exigência de comprovantes de dependência do segurado para concessão de algum benefício”.
Maria Berenice ressalta que, apesar de ter avançando na esfera jurídica, o Brasil é um dos países mais atrasados do mundo na área Legislativa quando o assunto é direito homoafetivo. “Em termos legislativos não temos nada. Na Lei Maria da Penha há uma referência de que a violência doméstica independe da orientação sexual. Temos também no Estatuto da Juventude, duas vezes referido, que os direitos são garantidos independentemente da orientação sexual do jovem. Mas, é só. Nós não temos uma lei, por exemplo, que criminalize a homofobia. Legalmente estamos mal, embora judicialmente estejamos bem”.
Manifestação de Gênero
Neste breve vídeo, Judith Butler fala com maestria acerca das manifestações de gênero, bem como o comportamento do sujeito em sociedade é alicerce para o seu gênero.
[Postagem do Dia] Ela – Her
“Apaixonar-se: Uma forma socialmente
aceitável de insanidade”
Essa
é uma das frases mais marcantes diante de tantas outras que estão no filme
“Her” (Ela) de Spike Jonze, que conta a história de Theodore Twombly (Joaquin
Phoenix), um escritor de cartas a mão para um site e que o faz da forma mais
sensível possível. Theodore lida com um ex-casamento, conciliando sua vida com
pornografia, vídeo-games e solidão, até que conhece Samantha, um sistema
operacional (SO1), pelo qual se apaixona. É até estranho cogitar a ideia de um
humano se apaixonando por um computador e pode até soar clichê ao comparar com
a história do cinema, no qual já nos deparamos com alguns desses casos. Mas
“Her” é diferente, Samantha não é apenas um sistema operacional, ela é uma
verdadeira máquina de sentimentos e envolve Theodore a um universo de
vulnerabilidades. O filme mostra uma sociedade rodeada de tecnologia, que no
primeiro momento separa os sujeitos, e em outra tenta corrigir a falta de
interação social criando mecanismos de contato, unindo, cada vez mais, o homem
à máquina, e essa união é realizada com tanta excelência que em certo momento
acabamos esquecendo que a relação posta não está sendo concretizada com dois
humanos. Diante das crises pela qual a sociedade moderna passa, a solidão sem
dúvidas é o que assola a humanidade, as pessoas esquecem como amar, como
interagir, os sentimentos se atrofiam, a falta de paciência de lidar com os
problemas é iminente e o ato de se apaixonar é apenas para os bravos, sendo
esta a insanidade da contemporaneidade. Recheado de sentimentos profundos,
“Her” é um filme triste, que retrata com perfeição o interior do sujeito
contemporâneo.
Trailer:
quarta-feira, 23 de abril de 2014
[Postagem do Dia] Sofrer a dor do outro
A sociedade brasileira sempre foi
repleta de dores, até mesmo antes de ser Brasil. Quando os “brancos” chegaram e
nos colonizaram, implantaram seus costumes e nos chamaram de “sem cultura”,
ignoraram nossas crenças, nossa cor, vestimentas. Éramos brutos, sem educação,
hereges da sua religião. Puseram-nos roupas, cortaram nossos pelos, nos
mostraram espelhos. Juntaram nossas mãos e nos fizeram ajoelhar em frente a uma
cruz. Depois disso, continuamos ajoelhados, em reverência, aclamando-os,
obedecendo-os, sendo sua propriedade. A escravização foi uma das grandes dores.
Outras, já tinham nota, como o enclausuramento da mulher às tradições
machistas. O encarceramento do homem ao temor da religião. E as dores mais
recentes: o ser diferente.
Aquele que não obedece aos
regramentos sociais sente a dor da rejeição, da escravidão de uma vida alheia ao
convívio pacífico. Mas os discursos é que o preconceito não existe. Realmente,
não existe, desde que você esconda quem você deseja ser. A aceitação, desde
sempre, só começou a acontecer quando aqueles que dominam e ditam as regras
passaram a sentir a dor daquele que está sendo oprimido. Basta observarmos: a
mulher, por exemplo, passou a ter importância na vida cotidiana quando a mesma
começou a invadir o mercado de trabalho, começou a mostrar que consegue ter um
desempenho profissional em pé de igualdade aos homens, só assim passaram a ser
realmente notadas e a sua dor sentida. Da mesma forma ocorre, neste momento,
com os componentes do chamado LGBTTI, mesmo que muitos ainda estejam “dentro do
armário”, aqueles que bravejam e lutam por sua classe estão começando a ter
expressividade nas bancadas da legislação, magistratura, no comando das grandes
empresas e até mesmo dentro da própria religião.
Assim sendo, aqueles que até então
estavam sendo invisíveis, hoje começam a ganhar força para serem enxergados e
fazendo com que aqueles que estão dentro do preestabelecido sintam a sua dor.
Maria Berenice Dias foi a primeira
mulher a ocupar um cargo de juíza na magistratura do Rio Grande do Sul e também
de desembargadora, num período em que as inscrições de mulheres para esses
concursos públicos não chegavam nem a ser homologadas. Desde muito cedo, ela
sentiu a dor do que é ser mulher na nossa sociedade, como foi quando teve o seu
primeiro filho e não lhe foi concedido a licença maternidade (hoje de 120
dias), apenas licença doença (30 dias), a partir disso, ficou sensível a
diversas outras opressões. Hoje, aposentada, levanta a bandeira da causa
LGBTTI, por esse motivo até muito questionada a respeito da sua orientação
sexual, que não é homoafetiva (termo criado e difundido pela mesma), inclusive
já foi casada, durante a sua vida, com cinco homens diferentes. Deixando claro,
dessa forma, que para a luta da efetivação dos direitos humanos não é
necessário se enquadrar nos mais diversos grupos sociais, apenas saber enxergar
e ter pulso para encarar uma sociedade preconceituosa e excludente.
Um dos marcos da sua luta é o Projeto
da Diversidade Sexual, que garante uma série de direitos às lésbicas, gays,
bissexuais, transexuais, transgênero, travesti e intersexuais. Sendo ela
Presidente da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil,
está com uma campanha (inclusive virtual) para levantar a assinatura de 1% dos
eleitores brasileiros, para que o Projeto possa ser encaminhado ao Congresso
Nacional como uma proposta de Iniciativa Popular.
Apesar dos grandes avanços no âmbito
do Poder Judiciário, como é o caso da prerrogativa de casamento para os
homoafetivos, a luta é para que o Legislativo largue um pouco os
posicionamentos conservadores, o que é muito difícil diante da expressiva
bancada religiosa nas casas legislativas. Que, a respeito do Estatuto da
Diversidade Sexual disse que é de “iniciativa do Movimento Gayzista para
implantar no Brasil uma espécie de ditatura totalitária gay”. Assim sendo, a
garantia desses direitos andam a passos lentos, no âmbito do Poder Legislativo.
O judiciário está apresentando avanços
expressivos nessa temática, porém, quando o legislativo não assegura
previamente, o processo para a efetivação dos direitos é muito mais exaustivo e
longo. É necessário que se enxergue que o grupo que até um tempo desses era
tido como invisível, hoje luta. E eles querem apenas trabalhar sem medo de ser
demitido por causa da sua orientação sexual ou por ser transgênero, travesti
etc., poder sair às ruas sem medo de ser espancado ou morto, poder andar de
mãos dadas com quem ama sem receber olhares preconceituosos, casar com quem
sente afeto, ter filhos e assegurar às suas famílias os mesmos direitos que a
família heterossexual tem. As dores por eles sentidas que se estenda, pois no
Brasil as coisas só vêm funcionando dessa forma: quando sentimos a dor do
outro.
*Texto publicado na versão impressa do Jornal de Fato, página 2, do dia 23/04/2014, disponível também no link: edição 581.
*Texto publicado na versão impressa do Jornal de Fato, página 2, do dia 23/04/2014, disponível também no link: edição 581.
terça-feira, 22 de abril de 2014
[Postagem do Dia] Diversidade Sexual e o Conservadorismo Brasileiro
Mente
quem diz que o brasileiro não é uma criatura obediente. Enquanto estamos nos
desenvolvendo, obedecemos exatamente o que nos é ensinado com os discursos já
muito bem estruturados: “Minha filha vai fazer balé”, “Meu filho vai jogar
futebol”, “Filha, você tem que casar com um homem bom”, “Vocês casam quando?”,
“Cadê meus netos?”, “Mulher casada não pode fazer isso”, “Homem trai mesmo,
minha filha”. A verdade é que é mais fácil aceitar não é mesmo? Porque
questionar se é “tudo igual”, se “sempre foi assim”? Imaginemos, portanto, se
toda mulher tivesse se acostumado com o seu posto de dona de casa e jamais
resolvesse bater de frente com o mercado de trabalho machista, será que hoje
teríamos uma PresidentA? Ou será que a presidência de uma das maiores empresas
brasileira, a Petrobrás, estaria sendo presidida por uma mulher? Até fazer
gritar a sua bravura, a mulher estava fadada ao enclausuramento do lar, e foi
depois de muito grito que alcançou a sua legitimidade (apesar de algumas
disparidades ainda existentes). Todos os demais sujeitos sociais (enquadrados
na chamada “diversidade sexual”) são frutos dessa dicotomia homem&mulher
fundamentada por meio de construções religiosas e respaldadas pela necessidade
de reprodução humana. Esclarecendo: O polo ativo e dominador (homens) da
sociedade foi quem fez, a partir da construção distorcida dos discursos
religiosos, a sua casa, catando em cada letra do livro sagrado a fundamentação
da sua hegemonia como ser social. Foi desse binarismo que a sociedade se
construiu, dando cria a um povo conservador e reprodutor de falas prontas e
nada melhor que um legislador medroso e preocupado nos próximos mandatos para
legitimar essas pessoas. E assim caminha a sociedade brasileira.
quinta-feira, 17 de abril de 2014
[Postagem do Dia] O estado ditatorial da Família Nuclear
As
verdades impostas são fundamentadas em fatores de diversas áreas (religião,
costumes, ciência, direito etc.), os discursos predominantes no mundo
contemporâneo estão enraizados em uma cultura reprodutora de falas. É deste
modo que temos consagrada atualmente o que se entende por “família nuclear”,
sendo esta composta pelo casal heteroafetivo, branco e de classe média. É
indiscutível que para chegarmos a esse conceito há de se percorrer um bom
caminho norteado de regras básicas de comportamento.
Pois bem, imaginemos o período em
que o casal descobre que terá uma filha, sexo feminino, assim sendo, tratam
logo de pintar as paredes do quarto com a cor da feminilidade, o rosa; compra
bonecas; já planeja como será o balé. A criança nasce, cresce e ao se
desenvolver é educada para ser sensível, obediente, deve estudar sim, porém,
também deve encontrar um bom marido que tenha condições suficientes para prover
o sustento da família. A esta filha diversos passos de vivência já serão
impostos antes mesmo do seu nascimento.
Deste modo, o sexo biológico (a
forma como o sujeito nasce) é fator determinante para os parâmetros da
dicotomia em que se colocam em lados opostos ambos os gêneros preexistentes:
homem e mulher. E a partir desse binarismo que se extrai as disparidades de
direitos, os preconceitos de gênero e, até mesmo, a conhecida guerra dos sexos.
Ao homem, sendo atribuído papeis de poder, de superioridade, de firmeza e
decisão. À mulher, o enclausuramento do lar, os menores salários, a emotividade
e passividade. Esta polarização que vem a ser reproduzida por todas as gerações
é uma representação fiel do que se espera de uma sociedade com os pés fincados
no conservadorismo matrimonial.
São estes sujeitos que vem a compor
o que chamo aqui de “família nuclear” (termo este trabalhado por Jane Felipe),
no qual se sustenta pelo Casamento, Instituição esta, fielmente protegida pelo
ordenamento jurídico brasileiro e pelas imposições sociais. Para chegarmos a
essa conclusão, basta algumas perguntas: Desde quando a sociedade olha com bons
olhos a mulher que não deseja casar ou ter filhos? Ou até casa, mas acaba
separando? Por muito tempo e até hoje ainda chamada de “desquitada”, termo
pejorativo para aquela que se livra das amarras de uma relação falida. A
verdade é que muitos sujeitos ainda permanecem na relação devido às aparências,
mesmo passando por crises preserva o status “casado (a)” e, em alguns casos,
até iniciam o sagrado matrimônio sem nutrir sentimentos recíprocos com o
parceiro, apenas como forma de contraprestação ao que a sociedade espera.
Diante disso, cabe indagar: será o
Casamento uma Instituição falida? Ou será que a imposição social do que se
entende por Família Nuclear acaba por forçar os sujeitos a se integrar nos
ditames preestabelecidos? Esta família protegida pelos preceitos religiosos,
pelo ordenamento jurídico, pelos costumes e por muito tempo até pelas ciências,
está eleita em estado ditatorial na sociedade moderna, ignorando a
possibilidade dos novos arranjos amorosos, bem como novos conceitos de família.
Atualmente, a legislação brasileira
vem ganhando novos contornos (a partir da atuação de Movimentos Sociais e nomes
de grande expressão como a doutrinadora Maria Berenice Dias e o Deputado
Federal Jean Wyllys – PSOL/RJ) no que tange aos novos conceitos, por exemplo, a
família está deixando de ser uma relação sagrada imbatível, para ser fruto da
afetividade mútua. Sendo assim, observam-se novos passos para se por abaixo a
imutabilidade do conceito de Instituição Familiar, abrindo espaço para emergir
novas configurações amorosas, respaldas por novos sujeitos nas relações, rompendo
com a lógica binária heteronormativa e quebrando com a polarização de gênero,
no qual rebaixava a mulher a um papel de subordinação perante o homem. A partir
deste momento, estes novos contornos começam a ser reconhecidos e respaldados
por lei, bem como decisões jurisprudenciais que até então estavam sendo
barradas pela venda que puseram na Deusa da Justiça. A verdade é que o Direito
não pode ser (ou fingir ser) cego, o legislador deve sair do papel de protetor
do conservadorismo para benfeitor das novas realidades, visto que esta em
nenhum momento vai suprir direitos, apenas ampliá-los.
*Texto publicado no exemplar do dia 17/04/2014 do Jornal de Fato, pag. 2.
quarta-feira, 16 de abril de 2014
[Postagem do Dia] LGBTTI: A (falta de) Reconhecibilidade dos Invisíveis
A
sigla LGBTTI (Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e
intersexuais) foi de iniciativa da doutrinadora brasileira Maria Berenice Dias,
como forma de abarcar o maior número possível de sujeitos da “diversidade
sexual”. Nesta nova sigla, inserindo a letra “I”, dos intersexuais. Primeiramente,
para entender, estas são as pessoas que nascem com a configuração biológica dos
dois sexos já preexistentes (homem e mulher) e comumente, já no seu nascimento
o pai e a mãe definem por meio da cirurgia se este vai crescer “homem” ou “mulher”.
A respeito disso, pode-se observar algumas consequências, por exemplo,
imaginemos (hipoteticamente) que se escolha que o filho vai crescer como
pertencente ao gênero masculino, deste modo, desfazendo-se do seu membro
definidor do sexo feminino, para tanto, ao longo do seu desenvolvimento os pais
injetam hormônios compatíveis a sua escolha, fazendo com o seu filho tenha pelos
e aspecto físico desejado. Todavia, imaginemos que essa mesma criança a partir
de certa idade comece a se ver diferente das demais, comece a se identificar
com o gênero oposto e sinta-se em seu íntimo uma mulher, logo mais resolve até
passar por cirurgia de mudança de sexo. Esse é um dos possíveis resultados que
pode vir a acontecer quando se tira o direito de alguém de optar exatamente
pelo que deseja ser. Facultando aos pais o direito de definir o futuro dos seus
filhos, para uma sociedade conservadora como a nossa não é de se esperar outra
postura, porém, diante disso, o legislador brasileiro trata esses sujeitos como
inexistentes, verdadeiros fantasminhas. A legislação atual não se preocupa em
estabelecer parâmetros de reconhecibilidade dos sujeitos sociais, apenas joga a
bomba para um outro Poder (Judiciário) decidir em casos concretos o destino de
um a um, e se safa por meio das entrelinhas do preconceito o seu papel de ser
um Poder justo e benéfico à sociedade.
Vídeo: Papeando com Pamplona - Diversidade Sexual (Participação de Maria Berenice Dias)
Ajude na reconhecebilidade dos sujeitos, assinando a Petição da Diversidade Sexual!
Faça sua parte: Petição Estatuto da Diversidade Sexual
Vídeo: Papeando com Pamplona - Diversidade Sexual (Participação de Maria Berenice Dias)
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