Até pouco tempo apenas uma coisa era
imutável quando tratávamos dessa temática: a configuração biológica sexual que
o sujeito nasce; podendo este ser do sexo homem, mulher ou intersexual
(possuidor dos dois sexos, tido atualmente como patologia, anomalia, sem
respaldo jurídico algum). Atualmente, vemos uma amplidão de possibilidades para
que a pessoa possa encontrar o encaixe do seu corpo para com a sua mente/personalidade,
o que não quer dizer que esse caminho a ser seguido será respaldado socialmente,
muito pelo contrário.
Desde sempre a forma como nos
comportamos (ou até mesmo traços alheios aos nossos desejos) em sociedade dita
o nível de interação que teremos com os demais sujeitos sociais. Por exemplo,
se decidirmos seguir pelo caminho das drogas, obviamente haverá uma espécie de
exclusão ao convívio, visto que não seríamos bem quistos. O mesmo ocorre com o
soro positivo, com o travesti, transexual e demais pessoas que apresentam
características distintas do que é “ser normal”. E essa identidade base na qual
hoje os demais terão como espelho, foi definido não de forma natural, mas sim
por meio de processos culturais, visto que ninguém nasce exatamente como o
esperado, é a sociedade que coloca uma moldura “perfeita”, repleta de
regramento, em cada sujeito e espera que o mesmo seja obedecido e difundido
para os demais.
Assim sendo, ao se tratar das mais diversas
configurações de gênero, saímos de conceitos, em primeira vista, simples quando
resumimos ao homem e à mulher, e partimos para uma complexidade de ramificações
ao tratar de diversas outras manifestações. Os (as) travestis, transgêneros e
transexuais, são os sujeitos mais amplamente divulgados dessa gama de
ramificações, objetos de estudo e alvos de preconceito. A sociedade acaba por
recriminar e colocar no rol das patologias sujeitos que nem ao menos
compreendem, será que alguém já se perguntou “O que é ser um (a) travesti?”, “como
se sente um (a) transgênero?”, “pelo que tá passando uma pessoa que não se
sente a vontade com o seu próprio corpo?”. Como julgar pessoas que nem ao menos
conhecemos simplesmente porque são diferentes do que nós desejamos?
Essas pessoas são humanas e desejam se
enquadrar socialmente como qualquer outra pessoa, mas antes disso desejam
sentir-se bem consigo mesmas, no momento em que um homem se veste de mulher,
coloca um salto, se maquia, é simplesmente porque dessa forma se sente a
vontade, é neste momento que consegue a plena interação da sua mente com o seu
corpo, a travesti não distorce os conceitos habituais de gênero como forma de
provocar a sociedade ou de se rebelar contra o tradicional, o faz simplesmente
para estar plenamente realizada com o seu corpo. O mesmo ocorre com o
transgênero, que se sente enclausurado em vestimentas e comportamentos de um
sexo que não condiz com a sua identificação de gênero. Por fim, o transexual,
que está preso em um corpo que sente não te pertencer. Jogar esses sujeitos na
marginalidade, ou dizer que se trata de uma patologia é uma ofensa a sua
dignidade, é usurpar a sua felicidade, prendê-lo a algo que só lhes faz mal.
Não é simples compreender as diversas
manifestações de gênero, que sempre surgiram, mas que atualmente estão
começando a sair da obscuridade, pelo contrário, é complexo, é de difícil
aceitação. Hoje, estes sujeitos estão em todos os lugares, e mesmo que muitas
vezes estejam representando exatamente o que a sociedade espera, internamente
eles se sentem outras pessoas. Em seus íntimos desejam estar em cima de saltos,
com longos cabelos, maquiados, com minissaias. Ou desejam usar paletó e
gravata, sapato, bermuda. Bem como, fazer cirurgia para ter a sua configuração
biológica sexual em consonância com o seu comportamento, o seu entendimento do
que é ser homem e ser mulher, almejando, destarte, se sentir bem consigo mesmo.
Essas pessoas não desejam matar,
roubar ou influenciar seus filhos a serem como eles. Além de sofrer bullyng, as
mais diversas formas de preconceito, muitas vezes até violência, a sua
principal dor é de sentir que pertence a lugar algum, sofrem pela exclusão
social, pelo impedimento de interação com as pessoas. No fim das contas, são
mais humanos do que aqueles que estão plenamente encaixados nas certezas sociais.
Judith
Butler, sobre violência de gênero:
*Esse texto foi publicado no jornal impresso do dia 27/04/2014, página 2, do Jornal de Fato de Mossoró-RN, disponível também em: edição 585
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