A sociedade brasileira sempre foi
repleta de dores, até mesmo antes de ser Brasil. Quando os “brancos” chegaram e
nos colonizaram, implantaram seus costumes e nos chamaram de “sem cultura”,
ignoraram nossas crenças, nossa cor, vestimentas. Éramos brutos, sem educação,
hereges da sua religião. Puseram-nos roupas, cortaram nossos pelos, nos
mostraram espelhos. Juntaram nossas mãos e nos fizeram ajoelhar em frente a uma
cruz. Depois disso, continuamos ajoelhados, em reverência, aclamando-os,
obedecendo-os, sendo sua propriedade. A escravização foi uma das grandes dores.
Outras, já tinham nota, como o enclausuramento da mulher às tradições
machistas. O encarceramento do homem ao temor da religião. E as dores mais
recentes: o ser diferente.
Aquele que não obedece aos
regramentos sociais sente a dor da rejeição, da escravidão de uma vida alheia ao
convívio pacífico. Mas os discursos é que o preconceito não existe. Realmente,
não existe, desde que você esconda quem você deseja ser. A aceitação, desde
sempre, só começou a acontecer quando aqueles que dominam e ditam as regras
passaram a sentir a dor daquele que está sendo oprimido. Basta observarmos: a
mulher, por exemplo, passou a ter importância na vida cotidiana quando a mesma
começou a invadir o mercado de trabalho, começou a mostrar que consegue ter um
desempenho profissional em pé de igualdade aos homens, só assim passaram a ser
realmente notadas e a sua dor sentida. Da mesma forma ocorre, neste momento,
com os componentes do chamado LGBTTI, mesmo que muitos ainda estejam “dentro do
armário”, aqueles que bravejam e lutam por sua classe estão começando a ter
expressividade nas bancadas da legislação, magistratura, no comando das grandes
empresas e até mesmo dentro da própria religião.
Assim sendo, aqueles que até então
estavam sendo invisíveis, hoje começam a ganhar força para serem enxergados e
fazendo com que aqueles que estão dentro do preestabelecido sintam a sua dor.
Maria Berenice Dias foi a primeira
mulher a ocupar um cargo de juíza na magistratura do Rio Grande do Sul e também
de desembargadora, num período em que as inscrições de mulheres para esses
concursos públicos não chegavam nem a ser homologadas. Desde muito cedo, ela
sentiu a dor do que é ser mulher na nossa sociedade, como foi quando teve o seu
primeiro filho e não lhe foi concedido a licença maternidade (hoje de 120
dias), apenas licença doença (30 dias), a partir disso, ficou sensível a
diversas outras opressões. Hoje, aposentada, levanta a bandeira da causa
LGBTTI, por esse motivo até muito questionada a respeito da sua orientação
sexual, que não é homoafetiva (termo criado e difundido pela mesma), inclusive
já foi casada, durante a sua vida, com cinco homens diferentes. Deixando claro,
dessa forma, que para a luta da efetivação dos direitos humanos não é
necessário se enquadrar nos mais diversos grupos sociais, apenas saber enxergar
e ter pulso para encarar uma sociedade preconceituosa e excludente.
Um dos marcos da sua luta é o Projeto
da Diversidade Sexual, que garante uma série de direitos às lésbicas, gays,
bissexuais, transexuais, transgênero, travesti e intersexuais. Sendo ela
Presidente da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil,
está com uma campanha (inclusive virtual) para levantar a assinatura de 1% dos
eleitores brasileiros, para que o Projeto possa ser encaminhado ao Congresso
Nacional como uma proposta de Iniciativa Popular.
Apesar dos grandes avanços no âmbito
do Poder Judiciário, como é o caso da prerrogativa de casamento para os
homoafetivos, a luta é para que o Legislativo largue um pouco os
posicionamentos conservadores, o que é muito difícil diante da expressiva
bancada religiosa nas casas legislativas. Que, a respeito do Estatuto da
Diversidade Sexual disse que é de “iniciativa do Movimento Gayzista para
implantar no Brasil uma espécie de ditatura totalitária gay”. Assim sendo, a
garantia desses direitos andam a passos lentos, no âmbito do Poder Legislativo.
O judiciário está apresentando avanços
expressivos nessa temática, porém, quando o legislativo não assegura
previamente, o processo para a efetivação dos direitos é muito mais exaustivo e
longo. É necessário que se enxergue que o grupo que até um tempo desses era
tido como invisível, hoje luta. E eles querem apenas trabalhar sem medo de ser
demitido por causa da sua orientação sexual ou por ser transgênero, travesti
etc., poder sair às ruas sem medo de ser espancado ou morto, poder andar de
mãos dadas com quem ama sem receber olhares preconceituosos, casar com quem
sente afeto, ter filhos e assegurar às suas famílias os mesmos direitos que a
família heterossexual tem. As dores por eles sentidas que se estenda, pois no
Brasil as coisas só vêm funcionando dessa forma: quando sentimos a dor do
outro.
*Texto publicado na versão impressa do Jornal de Fato, página 2, do dia 23/04/2014, disponível também no link: edição 581.
*Texto publicado na versão impressa do Jornal de Fato, página 2, do dia 23/04/2014, disponível também no link: edição 581.
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