As
verdades impostas são fundamentadas em fatores de diversas áreas (religião,
costumes, ciência, direito etc.), os discursos predominantes no mundo
contemporâneo estão enraizados em uma cultura reprodutora de falas. É deste
modo que temos consagrada atualmente o que se entende por “família nuclear”,
sendo esta composta pelo casal heteroafetivo, branco e de classe média. É
indiscutível que para chegarmos a esse conceito há de se percorrer um bom
caminho norteado de regras básicas de comportamento.
Pois bem, imaginemos o período em
que o casal descobre que terá uma filha, sexo feminino, assim sendo, tratam
logo de pintar as paredes do quarto com a cor da feminilidade, o rosa; compra
bonecas; já planeja como será o balé. A criança nasce, cresce e ao se
desenvolver é educada para ser sensível, obediente, deve estudar sim, porém,
também deve encontrar um bom marido que tenha condições suficientes para prover
o sustento da família. A esta filha diversos passos de vivência já serão
impostos antes mesmo do seu nascimento.
Deste modo, o sexo biológico (a
forma como o sujeito nasce) é fator determinante para os parâmetros da
dicotomia em que se colocam em lados opostos ambos os gêneros preexistentes:
homem e mulher. E a partir desse binarismo que se extrai as disparidades de
direitos, os preconceitos de gênero e, até mesmo, a conhecida guerra dos sexos.
Ao homem, sendo atribuído papeis de poder, de superioridade, de firmeza e
decisão. À mulher, o enclausuramento do lar, os menores salários, a emotividade
e passividade. Esta polarização que vem a ser reproduzida por todas as gerações
é uma representação fiel do que se espera de uma sociedade com os pés fincados
no conservadorismo matrimonial.
São estes sujeitos que vem a compor
o que chamo aqui de “família nuclear” (termo este trabalhado por Jane Felipe),
no qual se sustenta pelo Casamento, Instituição esta, fielmente protegida pelo
ordenamento jurídico brasileiro e pelas imposições sociais. Para chegarmos a
essa conclusão, basta algumas perguntas: Desde quando a sociedade olha com bons
olhos a mulher que não deseja casar ou ter filhos? Ou até casa, mas acaba
separando? Por muito tempo e até hoje ainda chamada de “desquitada”, termo
pejorativo para aquela que se livra das amarras de uma relação falida. A
verdade é que muitos sujeitos ainda permanecem na relação devido às aparências,
mesmo passando por crises preserva o status “casado (a)” e, em alguns casos,
até iniciam o sagrado matrimônio sem nutrir sentimentos recíprocos com o
parceiro, apenas como forma de contraprestação ao que a sociedade espera.
Diante disso, cabe indagar: será o
Casamento uma Instituição falida? Ou será que a imposição social do que se
entende por Família Nuclear acaba por forçar os sujeitos a se integrar nos
ditames preestabelecidos? Esta família protegida pelos preceitos religiosos,
pelo ordenamento jurídico, pelos costumes e por muito tempo até pelas ciências,
está eleita em estado ditatorial na sociedade moderna, ignorando a
possibilidade dos novos arranjos amorosos, bem como novos conceitos de família.
Atualmente, a legislação brasileira
vem ganhando novos contornos (a partir da atuação de Movimentos Sociais e nomes
de grande expressão como a doutrinadora Maria Berenice Dias e o Deputado
Federal Jean Wyllys – PSOL/RJ) no que tange aos novos conceitos, por exemplo, a
família está deixando de ser uma relação sagrada imbatível, para ser fruto da
afetividade mútua. Sendo assim, observam-se novos passos para se por abaixo a
imutabilidade do conceito de Instituição Familiar, abrindo espaço para emergir
novas configurações amorosas, respaldas por novos sujeitos nas relações, rompendo
com a lógica binária heteronormativa e quebrando com a polarização de gênero,
no qual rebaixava a mulher a um papel de subordinação perante o homem. A partir
deste momento, estes novos contornos começam a ser reconhecidos e respaldados
por lei, bem como decisões jurisprudenciais que até então estavam sendo
barradas pela venda que puseram na Deusa da Justiça. A verdade é que o Direito
não pode ser (ou fingir ser) cego, o legislador deve sair do papel de protetor
do conservadorismo para benfeitor das novas realidades, visto que esta em
nenhum momento vai suprir direitos, apenas ampliá-los.
*Texto publicado no exemplar do dia 17/04/2014 do Jornal de Fato, pag. 2.
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