Certa vez quando voltávamos do interior, minha irmã e eu, deparamo-nos com uma cena que chamou minha atenção, não sei se a dela também, mas na minha memória ficou marcada por algum motivo, desses que não se requer explicação.
Para encurtar a conversa e chegarmos logo aos fatos, digo que era um sábado por volta de meio dia. Desembarcamos na rodoviária, atravessamos duas ruas e logo estávamos na para de ônibus. A espera foi curta, logo passou o veículo que faria a linha por dentro do campus universitário deixando-nos em Neópolis.
Bem, logo ao subir dei com os olhos em uma turma de três meninos que ocupavam logo as primeiras cadeiras, dois garotos e uma garota. Aparentemente na minha faixa-etária, quinze, dezesseis anos. As roupas dos dois primeiros, sujas. As camisetas muito folgadas e compridas para o tamanho deles. A menina, de blusa de alça e short jeans.
Faziam uma algazarra sem tamanho entre eles, falavam alto como que querendo demarcar o território, deixando escapar umas gírias capengas e algumas expressões desconhecidas no meu universo fechado. Izabel e eu comentamos alguma coisa à respeito dos três, e trocamos olhares bem particulares a irmãos, mas não passou disso. Parece que as conveniências impostas por uma sociedade cheia de politicagens impediam de ir além, de levantarmos o rosto e encarar um deles nos olhos. Eles sentados não pela distância física, mas por um "apartheid" camuflado. O mesmo "apartheid" que separa até hoje os nossos mundos, que ironicamente estão contidos numa única cidade.
Dali a pouco, o ônibus parou num sinal e os três acenaram para o motorista, queriam descer. Esse, num gesto que inspirava total sinceridade recomendou:
- Cuidado com as motos quando descerem!
E os meninos com um sorriso meio constrangido balançavam as cabeças, positivamente, e com palavras que me pareceram igualmente sinceras, agradeceram com uma série de "obrigado, obrigado" ao condutor. As portas se abriram e eles desceram. Acompanhei-os com os olhos até perder de vista e fiquei remoendo comigo um punhado de pensamentos.
Na certa os garotos não pagaram as passagens, por isso os agradecimentos, ponto para o motorista que permitiu que eles subissem e em momento algum - ao menos enquanto estávamos ali - tratou-os diferentes. Embarcaram de graça em algum lugar, para descerem num sinal. Era a mesma gratuidade de uma vida oposta a minha. Era de graça como a sujeição contida no olhar resignado dos três.
Esse texto foi enviado por Guilherme Henrique Cavalcante ao meu e-mail.
Gostei muito do texto!
ResponderExcluirIsso é uma crônica ou um conto??
Abraços
Gosto muito desse, lembro'me de tê-lo escutado na biblioteca. =D
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