Senhorita Júlia, peça escrita em 1887 por August Strindberg (1849 – 1912), é considerada um marco da dramaturgia naturalista. A obra aborda a disputa entre os sexos e as classes e a contradição entre pulsão erótica e realidade.
Encenada pelo Grupo TAPA, a peça ganha contornos de “peça-sonho”. Nela, a ação se desenvolve sob o olhar da cozinheira (Paloma Galasso), cuja presença, sempre atenta, confirma a máxima imortalizada por Jean Paul Sartre: “o inferno são os outros”.
“Strindberg, em um ponto da sua carreia, se enveredou por caminhos mais oníricos. Tratamos a peça, apesar do seu naturalismo, com elementos inusitados de um sonho”, explica Eduardo Tolentino de Araújo, diretor artístico do TAPA.
O espetáculo é o segundo a estrear na intervenção TAPA no Arena – Uma Ponte na História. Até dezembro, a ocupação trará para o palco do Teatro de Arena Êugenio Kusnet dezessete espetáculos do repertório do grupo e de convidados. O primeiro foi Breu, de Pedro Brício e direção de Maria Silvia Siqueira Campos e Miwa Yanagizawa.
Tolentino conta que existem pontos em comum entre as trajetórias do grupo e do Teatro. O Arena, inaugurado em 1953, foi berço de experimentações teatrais e é um marco da resistência contra o período da ditadura militar brasileira. Por ele passaram dramaturgos como Augusto Boal e Plínio Marcos.
“Quando fazemos um projeto como esse, tentamos buscar um padrão de excelência e um diálogo com o público”, comenta Tolentino, que enxerga uma crise no teatro e na atual sociedade. “A qualidade do nosso desenvolvimento humano está muito baixa. O teatro pode ser um pouco à frente, como é a arte em geral, mas não tem como ir tão além”, completa.
Em entrevista concedida à CULT, Eduardo Tolentino fala sobre o TAPA, a sociedade e o teatro brasileiro.
CULT - Por que o nome Uma Ponte na História?
Eduardo Tolentino - Fazemos alguns traçados na história do Grupo TAPA e da trajetória do próprio Teatro de Arena. Essa ideia nasceu porque existem muitos pontos em comum entre o repertorio do TAPA e do Arena, como a abordagem de obras clássicas como A Mandrágora, que foi um sucesso em comum, além de autores como Martins Pena e Pirandello.
O que mudou no seu papel de diretor desde que começou no TAPA, em 1979?
Depois de quase 35 anos de TAPA, são várias mudanças de rumo ao longo do caminho. Mudanças do próprio país, mudanças dentro da gente. Sinto que estou numa fase muito estimulada. Se você me perguntasse isso há cinco anos eu não diria o mesmo. É um momento bastante rico para o TAPA. Acabamos de sair de um festival de verão com oito peças e estamos estreando essa ocupação.
Certa vez, você declarou que o teatro brasileiro de antes era muito melhor do que o de agora. Por quê?
Quando comecei a fazer teatro, ele se encontrava num outro patamar. Hoje, temos uma enorme quantidade de teatros, mas não temos qualidade de montagens e espetáculos. Não ampliamos na qualidade das interpretações, da dramaturgia, da direção.
Mas não dá para o teatro ser melhor do que o próprio país. O próprio declínio da educação fez isso com o teatro. Temos uma educação de massa, que em certo aspecto é interessante porque envolve muito mais gente. Mas a qualidade dessa educação tem reflexos sérios na sociedade em que vivemos. Ainda não estamos sentindo o preço disso no futuro. Observamos no presente.
O teatro é uma consequência disso. Do baixo nível de educação do brasileiro. A qualidade do nosso desenvolvimento humano está muito baixa. O teatro pode ser um pouco à frente, como é a arte em geral, mas não tem como ir tão além.
Como melhorar a formação do público que vai ao teatro hoje?
Mexendo na estrutura da educação do Brasil. Não adianta usar demagogia, dizer que as crianças estão na escola só para melhorar o IDH em relação aos outros países. Isso é só uma cifra. Temos que melhorar a qualidade desse ensino. Não só por causa do teatro, mas porque as pessoas precisam ser mais potentes e capazes de enfrentar o mercado de trabalho.
Como o teatro pode sobreviver nessa sociedade deficiente de educação e pautada pela tecnologia?
Vivemos em uma cidade com cerca de 20 milhões de habitantes. Cerca de 200/300 mil pessoas vão ao teatro. Mas, ainda hoje, há pessoas que nunca foram ao teatro. A ocupação visa isso, também, introduzir as pessoas à linguagem teatral. Mas, sem dúvida, temos que nos atentar com relação ao futuro e à tecnologia.
No caso do jornalismo, por exemplo, uma coisa é um jornal impresso que cai na sua mão e você acaba lendo coisas que a princípio não eram do seu interesse e acaba se interessando por elas. Outra coisa é você, com uma massa de informação muito grande, pensar ver um blog sobre um assunto que não é do seu interesse.
É o mesmo com o teatro. Temos que pensar em outros mecanismos para captar esse público. Porque sem o público, o teatro não faz sentido. Temos que nos impor pela qualidade. Vi muita gente de bastante talento passar porque se acomodou e deitou no louro do talento. Nós só temos um caminho, e é o trabalho.
Você acredita, então, que o TAPA sobrevive até hoje por que nunca deixou de trabalhar?
O trabalho, a capacidade de se reinventar, andar por vários caminhos, trabalhar com atores antigos e novos, misturar tudo isso. Fazer caminhos para frente, para trás. Um grupo se mantém por vários motivos. Mas se sintetizássemos, sim: teríamos a ideia do trabalho como motor.
Você enxerga um teatro brasileiro pautado em atores-estrelas? Quais são os problemas decorrentes desse fazer teatral?
Quando o teatro brasileiro nasce no século 19, cria-se um mito do ator protagonista. Este mito foi rompido lá pela década de 1940, com os comediantes do Rio [de Janeiro] e alguns conjuntos, como o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), o Arena, o Oficina e grupos derivados deles. Porém, a televisão retornou com essa ideia do ator protagonista, da estrela. O que nada tem a ver com o teatro. O teatro enquanto ‘estrelar’ é um culto à personalidade e não ao teatro em si. Nós tentamos ser pós-modernos e somos pré-modernos e românticos. Isso é o declínio de que falo. O teatro brasileiro deu um grande passo para trás com isso.
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