A Comissão de Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) publicou, no dia 11 de agosto, nota técnica que dá parecer indicativo da aplicabilidade da Lei 11.340/2006 às situações de violência doméstica e familiar sofridas por transexuais femininos e travestis. O documento é resultado de consulta realizada pelo Conselho Regional de Psicologia da 16ª Região (CRP-16, Espírito Santo) à OAB, em abril deste ano.
Segundo a integrante da Comissão de Direitos Humanos do CFP e conselheira do CRP-16, Rebeca Bussinger, a mobilização que resultou na manifestação da OAB iniciou-se em abril passado, quando o CRP 16 realizou um seminário para marcar os 15 anos da Resolução 001/1999, que estabelece normas de atuação para os (as) psicólogos (as) em relação à questão da Orientação Sexual.
Na ocasião, foram reportados dois casos por um serviço público da cidade de Vitória que atende pessoas vítimas de violência e discriminação: o de um transexual masculino e de um transexual feminino que não tinham conseguido realizar boletins de ocorrência em delegacia na qual afirmavam ter sido vítimas de violência doméstica. Alegavam que o transexual masculino deveria ser atendido em delegacia especializada de violência contra a mulher, e a transexual feminina em delegacia comum.
Bussinger informou que, em função disso, o CRP 16 iniciou articulação com diversos atores para posicionamento em relação à situação, dentre eles: CREES ES, OAB ES, Centro de Atendimento a Vítimas de Violência e Discriminação, Centro Estadual de Apoio aos Direitos Humanos, Ministério Público, movimentos sociais e outros. “Foi elaborado um documento a ser entregue ao Secretário de Segurança e ao Chefe de Polícia do Espírito Santo. A intenção de todo o grupo é articular ações que garantam o respeito e o adequado atendimento em delegacias, a travestis e transexuais vítimas de violência doméstica, respeitando o gênero com o qual o sujeito se identifica. Feito isso, o CRP 16 articulou o debate e acionou a OAB nacional, que elaborou e emitiu esta nota técnica, cuja intenção no momento é fazer repercutir estes mesmos esclarecimentos, ações e mobilizações para outros estados”, justificou a integrante da CDH do CFP.
Rebeca crê que a nota técnica emitida pela OAB representa um avanço na interpretação e na instrumentalização da Lei Maria da Penha, na medida em que esclarece e afirma que pessoas travestis e transexuais estão sob o signo de sua proteção. “É prática recorrente em nossa sociedade discriminar pessoas trans em função de uma suposta incongruência entre seu corpo e seu sexo e gênero de identificação. Diversos espaços (públicos ou privados) utilizam da exigência de apresentação de documento de identificação no qual a identidade de gênero esteja de acordo o registro civil. Esta é uma maneira de discriminar travestis e transexuais, impedindo o acesso destas pessoas ao sistema de garantia de direitos, utilizando para esta ação de uma suposta legalidade. É um equívoco. A nota da OAB esclarece isso”, reforçou.
Rebeca Bussinger afirmou que a Comissão de Direitos Humanos do CFP tem participado e acompanhado esse debate, apoia e se posiciona, também, como um facilitador e articulador deste movimento iniciado, na intenção de fazê-lo repercutir em outros estados, uma vez que o colegiado está organizado para intervir em situações que atinjam os direitos LGBT e em ações que promovam a garantia de direitos deste segmento.
Nota técnica
Em um dos pontos da nota técnica da OAB – assinados por advogados integrantes da Comissão Especial de Diversidade Sexual, Maria Berenice Dias (presidente) e Marcelo L. Francisco de Macedo Bürger – ressalta-se que “a Lei, ao selecionar a mulher como elemento vulnerável, por certo não o fez em razão de presunção de que a mulher – como sexo – é biologicamente mais fraca que o homem e, portanto, deveria ser protegida. Se assim o fosse não faria sentido a proteção da mulher vítima de violência por outra mulher, situação que presumiria um equilíbrio entre os sujeitos e afastaria a necessidade de uma discriminação positiva”.
Em outro trecho, a nota aponta que “a Lei Maria da Penha não cria qualquer restrição as transexuais e travestis, tampouco exige prévia retificação do registro civil ou cirurgia de adequação de sexo, e onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo. Estabelecida proteção da mulher como gênero, e não como sexo, mostra-se plenamente aplicável à violência doméstica praticada contra transexuais e travestis”.
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